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Encerrado um relacionamento, Wilson Simoninha transformou a perda em música. Um horizonte pra chamar de seu é o nome do single que o cantor e compositor carioca lançou recentemente nas redes. A faixa faz parte do projeto “Na Quarentena Eu Canto Assim”, que reúne regravações e composições inéditas registradas ao longo do período de isolamento. “Eu não estou deixando de fazer as coisas pensando no futuro. Estou fazendo agora, pois o tempo é muito rápido. Se a gente viver só no futuro, a gente vai ser engolido pela velocidade desse tempo no mundo”, afirma o artista de 56 anos em entrevista exclusiva para o Discografia, que você confere abaixo.

Sobre Um horizonte pra chamar de seu, o single reafirma todas as marcas do trabalho que Simoninha vem construindo desde que estreou na música. Essa estreia passa por diversas fases, como o período em que integrou a banda de Jorge Ben Jor (com quem gravou o excelente disco 23, de 1993), outro como produtor e as primeiras gravações solo como integrante do combo “Artistas Reunidos”. O primeiro disco solo completa 20 anos esse ano. Volume 2 acabou ganhando esse nome por que é o primeiro disco de uma artista já com longa bagagem.

E sobre as marcas da música de Simoninha, Um horizonte pra chamar de seu tem o groove, elementos da black music, a interpretação cheia de leveza, arranjo chic pontuado por sopros funkeados e uma levada dançante puxada pra disco music. O single já está disponível nas plataformas digitais. Confira a entrevista a seguir:

Discografia – Queria saber sobre essa faixa que você está lançando, Um horizonte pra chamar de seu. Qual a história dela? Quando ela nasceu?
Simoninha – Nasceu no ano passado, no momento em que eu tinha acabado uma relação importante para mim e estava em busca de um novo caminho. Gostei muito da estrutura da composição e resolvi gravá-la, pois com a pandemia, o assunto ganhou ainda mais profundidade para mim. Quando a gente acaba um relacionamento, devemos olhar pra frente, pois é só isso o que realmente interessa.

Discografia – Esse single faz parte de um projeto chamado “Na minha quarentena eu canto assim”, já lançou outras faixas como Palco e Correnteza. Queria saber desse projeto, como tem sido essa experiência de produzir nessas condições de isolamento? Esse projeto é o embrião de um novo disco?
Simoninha – Já lancei seis músicas por meio do “Na Quarentena Eu Canto Assim”, projeto de inéditas e releituras que retratam muito bem o espírito do momento. A primeira gravação, logo no início do isolamento, foi bem precária em todos os sentidos. Cheguei a usar celular para a captação do áudio e fui melhorando a produção das demais faixas, o que a inclui a presença de banda. Mas mantendo o distanciamento com todos os participantes gravando de casa ou do seu estúdio. Mudou, obviamente, o jeito de se fazer música e isso é um desafio interessante, pois é um registro do momento em que estamos vivendo. Isso é fundamental para imprimirmos qualquer resultado. Meu plano era produzir novo disco e tudo mudou. Não sei ainda quantas músicas vou lançar nessa plataforma da quarentena, mas já tenho quatro criações praticamente finalizadas para serem lançadas mais pra frente. Ainda vou tocar esse formato por um bom tempo. No ano que vem ou depois que o mundo voltar ao normal, vou repensar o álbum de um novo jeito. Mas acho importante colocar pra fora minhas novas composições e coisas que quero cantar pra ter justamente esse registro do momento.

Discografia – Você atua em diversas frentes: tem como cantor, compositor, produtor e, na S de Samba, a publicidade. Que espaço cada uma dessas funções ocupa hoje em sua vida? O que tem te dado mais prazer, a interpretação de canções de outros compositores, a produção em estúdio, o compor…?
Simoninha – Realmente, eu atuo em diversas frentes e gosto de tudo que eu faço. Mas o que mais me dá prazer é sem dúvida o palco, que é a coisa da surpresa e receber a interação da plateia. É uma coisa que eu e a maioria dos artistas não vão ter por um bom tempo. Mesmo com as lives, não há a troca de energia com pessoas e o desafio de a cada show, um público diferente. Por mais que ache que são semelhantes, mas as reações são muito variadas. Essa emoção está me fazendo muita falta, mas a gente tenta coisas novas pra suprir, mas não nada substitui o ao vivo.

Discografia – Apesar de ser um artista atuante em tantas frentes, você tem uma discografia curta. Por que? Gostaria de ter gravado mais?
Simoninha – Tem coisas que fiz que não estão em minha discografia. Por exemplo, um DVD que fiz com a MTV em homenagem a Jorge Ben Jor que foi lançado em CD e DVD físicos. O áudio não foi disponibilizado nas plataformas digitais, por falta de liberação dos direitos autorais. São 18 músicas dele que eu gravei. Mas acho que também é um sinal dos tempos. As pessoas gravam menos e se distanciam mais. Antigamente, você tinha a obrigação de todo ano lançar álbum e nos últimos anos, você não tem tanta essa necessidade. Acho que também para o artista ter a oportunidade para se dedicar a outros projetos. Tudo demanda muito tempo e tensão para que tudo fique bem feito. Mas tudo é fase. Comecei lançando quase que uma música por semana na quarentena, mas já diminui o ritmo para as pessoas terem tempo de conhecerem mais as músicas. Aumentei minha produção absurdamente e ainda cheguei a lançar. Vou continuar gravando e acho que são fases da vida.

Simoninha (à direita) com os irmãos e o pai Wilson Simonal (sentado) (Acervo pessoal)

Discografia – Você regravou Correnteza, um canção do repertório do seu pai para relembrar os 20 anos de morte dele. Por que escolheu especificamente essa música?
Simoninha – Correnteza foi escolhida quando estava batendo um papo com Antonio Adolfo, que divide a autoria dessa letra e de Sá Marina junto com Tibério Gaspar. Ele comentou que Sá Marina fez tanto sucesso e que Correnteza não foi um grande sucesso, apesar de ter tocado em rádios e de ter tido um compacto. Fico um lado b do Simonal e eu convidei o Antonio para regravá-lo juntos. Foi também uma forma de homenagear dois caras tão importantes para o meu pai. O resultado eu acho que ficou muito bonito.

Discografia – A história do seu pai voltou a ser contada por conta do sucesso do documentário, relançamento dos discos, o projeto “Baile do Simonal”. Como você avalia o resultado desses projetos todos? Acha que o Simonal teve sua história reavaliada como merecia?
Simoninha – O documentário foi lá em 2008 e teve uma repercussão de crítica e público. Depois veio Baile do Simonal, musical em teatro, relançamentos e agora está disponível nas plataformas. É gratificante pois se trata de uma história contada que as pessoas podem se informar. É fundamental que essa narrativa possa ser contada, pois por muito tempo se criaram teorias. A história parecia ser proibida de ser contada e se criou um tabu. Então, as teorias foram criando espaço e a verdade foi ficando oculta. Mesmo com todas as histórias sendo narradas, recontadas e pesquisadas, inclusive a biografia escrita do Ricardo Alexandre, que ganhou Prêmio Jabuti, surge algumas conspirações. A informação é sempre importante para as pessoas acessarem. Fico feliz que Simonal se tornou um grande ídolo das novas gerações. Isso nos dá – obviamente, a família e os fãs fiéis – muito orgulho.

Discografia – Além da discografia oficial, o que ficou de registro do Simonal que ainda pode chegar ao grande público? Ele deixou gravações inéditas, registros de shows, etc?
Simoninha – Tem uma obra grande e coisas inéditas de várias fases da carreira dele. Às vezes encontro até coisas perdidas na internet. Oficialmente, tem coisas que quero fazer ainda, como reitero lançar o showzaço do Simonal com a Sarah Vaughan. Há outras apresentações que a gente vai descobrindo. Tem um que, infelizmente, só temos o áudio que é o show chamado “Horário Nobre”. É muita coisa bacana que pode aparecer para os amantes da música e do Simonal.

https://www.youtube.com/watch?v=pxU2qfYkzkQ

Discografia – Esse ano, seu disco de estreia completa 20 anos. Como você avalia o Volume 2 hoje?
Simoninha – O número passou despercebido em função dessa coisa da pandemia, mas que merece sim um carinho. O Volume II entrega tudo aquilo que eu havia feito na década de 1990. Eu coloquei nesse trabalho algumas das principais experiências musicais adquiridas com muita solidez. O nome faz referência à etapa de minha vida em que eu considerava que já tinha feito muitas coisas bacanas até então. Me deu vontade até de fazer algo especial, como um show, pois é um disco que tenho muito orgulho.

Discografia – Você faz parte de uma geração de músicos que chegou em bloco, como um coletivo, que eram os “Artistas Reunidos”. Como é o contato essa turma hoje? Seguem próximos, trocando informações, colaborações?
Simoninha – A base do show do Artistas Reunidos era eu, Carlos Magno, Max de Castro, Luciana Mello, Jair Oliveira e Pedro Mariano, mas a gente sempre envolvia outros artistas e músicos. Eram shows sempre muito colaborativos. Em 1999, gravamos disco, que sem dúvida foi um marco em nossas carreiras. Obviamente, tenho mais e menos contato com esses integrantes hoje em dia, mas no geral temos todos uma boa relação. Sou sócio do Jair na S de Samba, produtora de som com foco em publicidade (jingles, trilhas e outros formatos), além de entretenimento. Temos uma série de projetos juntos. Já com Max, eu faço o show Baile do Simonal e iniciamos a segunda temporada do espetáculo pouco antes da quarentena. Fizemos uma live baseado nesse show para arrecadar doações para o Retiro dos Artistas, algo muito bacana. Eu e Luciana também sempre estamos juntos com o projeto Filhos dos Caras. Faz algum tempo que não faço nada com Pedro e Daniel, que inclusive está mais se dedicando a compor. Mas é só uma questão de oportunidade e tempo.

Discografia – Essa turma partilhava de caraterísticas comuns, como prezar pelo independente, o trabalho autoral e pelo apreço à música pop e a referências das décadas de 1960 e 70. Que legado você acredita que essa geração, onde também podemos incluir Paula Lima, por exemplo, deixa para a nossa música?
Simoninha – Foi uma geração do respeito, amor e qualidade pela música, que fez surgir Paula Lima e o Seu Jorge. Lembro que ele estava no (grupo) Farofa Carioca e só depois saiu com trabalho solo. O Regata, de onde saiu Paula Lima, Clube do Balanço, Seu Jorge e Banda Black Rio, foi um selo comandado por Bernardo Vilhena que era muito próximo da gente e que havia participado do início da Trama. Muitos artistas ali surgiram e foi um momento de muita gente aparecer. Sem dúvida, movimentou a Música Popular Brasileira com um novo frescor. Essa renovação é importante, pois estimula novos artistas a procurar caminhos. Muita gente surgiu depois disso nesse segmento, como o Otto.

Discografia – Você teve uma passagem pela banda do Jorge Benjor, a quem você dedicou um tributo anos depois gravado em DVD. Como foi essa experiência de trabalhar com o Benjor?
Simoninha – Sou fã do Jorge desde sempre. Foi um grande amigo do meu pai e depois se tornou meu também. Gosto muito do Jorge e tenho uma afinidade com ele, o trabalho e a família. É um sentimento que vem desde o berço, praticamente. Tudo que faço com ele me dá muita alegria. O DVD foi uma coisa especial, tocar com ele também. Fazer o grande show da volta dele no Olimpo, no Rio de Janeiro, em 2005, que culminou a volta do Jorge aos palcos com W Brasil, foi uma coisa que eu também estava envolvido e cuidando. Um sucesso absurdo. É um artista que eu admiro, respeito e gosto muito. É sempre muito bom está envolvido com a música dele.

Discografia – No disco Sambaland Club, você regrava Tributo a Martin Luther King, composição do seu pai contra o preconceito. Como você tem visto as manifestações que voltaram a chamar a atenção do mundo contra o preconceito racial?
Simoninha – Regravei Tributo a Martin Luther King em Sambaland, pois foi o primeiro disco que produzi após a morte do Simonal e quis prestar essa homenagem por tudo que a música representa e que foi dedicada a mim. Uma faixa que entrou definitivamente em meu repertório e que me emociona. A melhor observação que tenho a fazer é que quando meu pai fez essa canção, ele se emocionava muito enquanto tocava um pandeiro com tanta força na perna que chegava a sangrar. Essa é uma história que minha mãe gostava de contar. A calça chegava a ficar toda suja de sangue e ele tinha de fazer curativo, tamanha a força que ele tocava pela mensagem e tudo que a letra representa. Muita coisa melhorou, mas é preciso que melhore muito mais. É triste ver que essa música ainda faz sentido. Mesmo após 50 anos de lançada, é triste ver que meu pai continuaria sangrando ao cantá-la.

Discografia – Vendo as listas de músicas mais tocadas em rádios e aplicativos de streaming, funks e sertanejos é o que segue na preferência nacional. Que avaliação você faz desse momento da música brasileira?
Simoninha – A música sempre reflete o momento do país. Historicamente, se a gente tiver um olhar sobre quais eram as ambições do país, você vai sempre encontrar uma explicação na música. Por exemplo, no Brasil da década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, predominava a música da Carmen Miranda, que inclusive os Estados Unidos incorporaram as feições dela dando um destaque. Era uma música de exaltação do Brasil gigante. Depois, a gente passa por uma “bolerização” com a influência da América Latina e vem o rock, a Bossa Nova, que é uma música nossa exportada para o mundo, a Jovem Guarda, a Pilantragem e a Tropicália. São tantos movimentos que mostra que o Brasil queria se identificar com a produção mundial. Com isso, criamos uma identidade musical muito poderosa. Nos anos 1980, o rock tinha a coisa da contestação e celebrando o encontro com a liberdade. Nos anos 1990 foram as experimentações e a espera de um novo milênio. Essa é a cara do Brasil e o que as pessoas estão escutando. Acho que temos de respeitar. A música mudou, assim como o mercado e as formas de se escutar o som. São muitos nichos e você se mantem forte ali entre quem ouve MPB. O mercado precisa de novidades, até para se manter vivo. A nova geração não quer consumir as músicas que os pais escutavam. Eles querem uma música para chamar de sua. É natural. Claro que tem muita gente que consegue aprender com a bagagem dos pais, mas quem não tem essa ligação, o que representa a maioria das pessoas, acaba tendo contato com a música das formas mais engraçadas possível. O que te liga com os amigos e tua geração. É completamente natural, faz parte da dinâmica e a gente tem de entender. Cada artista tem de trabalhar seu nicho, pois essa é a nova forma de entender e viver de música.

Discografia – Que planos você tem em vista para quando passar a pandemia?
Simoninha – Primeiro que eu não estou deixando de fazer as coisas pensando no futuro. Estou fazendo agora, pois o tempo é muito rápido. Se a gente viver só no futuro, a gente vai ser engolido pela velocidade desse tempo no mundo. Muito do que irei fazer é em função do que estou aprendendo nesse momento. As experiências que estou tendo nessa pandemia, tirando a vontade que eu tenho de ficar uma semana na praia com meus filhos. Muita coisa vai mudar no jeito de pensarmos as coisas e de se relacionar. De alguma forma, ficamos mais próximos do nosso público e isso é uma coisa que a gente não pode perder. Que venha o futuro e que a gente esteja preparado.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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