Em 2010, Ivete Sangalo esteve em um dos palcos mais importantes do mundo para apresentar seu show pop carnavalesco. Casa de lendas da música, como Beyoncé e George Harrison, o Madison Square Garden foi escolhido pela baiana mais como uma demonstração de força do que como atestado de sucesso internacional. Passado o tempo, o show no templo nova-iorquino serviu mais como curiosidade para os brasileiros do que para projetá-la nos EUA.

Assim como a cantora, Arnaldo Antunes decidiu gravar seu novo disco no exterior, mas com pretensões mais modestas. Aproveitando uma curta turnê de cinco shows em Portugal, o ex-titã encerrou a temporada com a gravação do seu sexto DVD. Arnaldo Antunes Ao Vivo Em Lisboa foi registrado nas noites de 12 e 13 de novembro de 2016 no Teatro São Luiz e celebra seus 35 anos de carreira. O projeto é conduzido por uma equipe luso-brasileira. Direção e edição de vídeo portuguesa, equipe de áudio e mixagem brasileira, e por aí vai.

Para quem acompanha os shows de Arnaldo, pouca ou nenhuma diferença faz ele ter gravado na Europa. Ele justifica a escolha pelo cenário: fundado em 22 de Maio de 1894, o Teatro São Luiz é uma bela casa de traços elegantes idealizada por Guilherme da Silveira, ator e diretor que regressou do Rio de Janeiro querendo investir sua fortuna em Lisboa. Aproveitando a chance, Arnaldo ainda recebeu três convidados da terra da ginja: Carminho, cantora que vem provando ser brasileira de coração, e a dupla Hélder Gonçalves e Manuela Azevedo, membros da banda de rock Clã e amigos de Arnaldo há mais de 20 anos.

O repertório de Ao Vivo Em Lisboa tangencia os 11 discos de estúdio lançados pelo paulistano ao longo dessas três décadas e meia, mas o foco mesmo é nos últimos dois rebentos: Disco (2013) e Já É (2015). É deles que sai o technobrega Ela é Tarja Preta e a otimista Põe Fé que Já é. Dos Titãs, ele lembra Porrada que vem colada à macabra Cachimbo, boa faixa do disco Saiba (2004). A estreia solo, no cáustico, poético e raro disco Nome (1993), é lembrada com Alta Noite.

Tendo crescido muito como intérprete desde que apostou em apresentações mais intimistas, Arnaldo Antunes encontrou um tom doce e profundo na voz rude e explosiva de tempos atrás. As performances e danças robóticas também ficaram guardadas em algum lugar e ele hoje parece se preocupar mais em sublinhar as palavras das canções que vêm ganhando – cada vez mais – espaço na prateleira da MPB. A banda – Chico Salem (guitarra e violão), André Lima (teclados e sanfona), Betão Aguiar (baixo) e Curumim (bateria) – já o acompanha há um tempo e sabe o que deve e fazer em cena. A ausência de Edgard Scandurra é sentida em arranjos demasiado corretos.

Como um crooner bem comportado, Arnaldo chega aos 35 anos de carreira confiante no que já fez. Nesse tempo, ele tornou-se referência na música, na literatura e nas artes visuais em trabalhos que misturam todas essas linguagens. Como músico, ele já flertou com os mais diferentes ritmos, do manguebeat à bossa nova. No palco, inventou espetáculos para multidões e pequenos auditórios. Gravou na varanda de casa, num palco em formato de carrossel (que até girava) e na África, com músicos locais.

Para alguém que já inventou tanto, não há novidades em Ao Vivo Em Lisboa. Tirando o local da gravação, é só mais um bom show de Arnaldo Antunes. A favor do novo trabalho, ele pode alegar que tem sim um trabalho estabelecido em Portugal. Diferente de Ivete, não há exibicionismo em gravar fora de sua terra natal. Também vale dizer que, a qualquer momento, uma nova ideia pode movê-lo para um projeto diferente e inusitado. Ou até que esta é a novidade de Ao Vivo em Lisboa. Afinal, ele ainda não havia gravado um show comum.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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