Diz a lenda que os quilombos eram protegidos pelo canto de um pássaro africano. Seu nome é tatanagüê e sua missão guiar os negros para bons caminhos, para a liberdade. Quando alguma ameaça se aproximava, cabia a ele enviar um aviso para o povoado. No entanto, esse canto de alerta é o único sinal que se conheceu dele, uma vez que tatanagüê era invisível.

Esse mistério de poesia, mitologia e história é onde começa o novo trabalho de Theo de Barros. O pássaro lendário é quem batiza o disco que o compositor de 74 anos lançou recentemente de forma independente. Reconhecido como autor de canções como Menino das Laranjas e Disparada, o carioca reuniu canções inéditas com trechos de algumas suítes que foram compostas ao longo dos seus mais de 50 anos de carreira.

Os arranjos orquestrados foram escritos pelo próprio Theo de Barros, que também assume o violão de sete cordas, nas 16 afixas. O tom brejeiro de um Brasil que nada em rios de água límpida é reforçado pela voz de Renato Braz, principal intérprete e parceiro no projeto. Além dele, Tatanagüê conta com as participações de Mônica Salmaso e da jovem Alice Passos, uma das revelações da cena de samba da Lapa. As letras são de Paulo César Pinheiro.

No entanto, Tatanagüê passa longe da lapa, do samba e dos climas urbanos. O projeto que conta com 34 músicos, incluindo vocais e orquestra de cordas e sopros, tem ar sóbrio e operístico para falar de um Brasil que pouco se ouve. Um Brasil sertanejo no sentido exato da palavra, que dança ciranda, que ouve o som dos ventos, que se ilumina com candeeiro, que celebra sua mestiçagem.

O álbum mostra que Theo de Barros estava com fome de música. Como membro do Quarteto Novo (junto com Heraldo Monte, Airto Moreira e Hermeto Pascoal), ele fez história ao acompanhar Edu Lobo e Marília Medalha na apresentação de Ponteio, no 3° Festival de MPB, bem como Geraldo Vandré em shows e gravações. O primeiro disco veio em 1979, batizado simplesmente de Primeiro Disco. Outros dois viriam em seguida, enquanto ele também atuava como arranjador, diretor musical, produtor e no mercado publicitário.

Tatanagüê atualiza o músico no que ele gosta mais de fazer. Dança de Marinheiro foi tirada da Suíte Marinha, ainda inédita, e carrega todo o doce da voz de Renato Braz ao retratar os detalhes da tradicional Festa de São Benedito. Também são dele os agudos de Três Violas, tirada da Suíte das Sete Violas, gravada no álbum Theo (2004). Outra suíte presente no disco é Capoeira, de onde a ária Cavalo de Oxóssi usa um berimbau (tocado por Renato) para marcar a história de um mestre capoeirista. Já a suíte Três Vertentes reúne as vozes de Renato, Theo e Ricardo Barros (filho de Theo) para falar do sangue africano, nordestino e pescador.

Mônica Salmaso valseia leve em Alguém Sozinho, primeira parceria de Ricardo Barros com Paulo César. Também da Suíte Capoeira, Camaradinha é um batuque de roda que traz a voz a voz alegre de Alice Passos. E é o próprio Theo de Barros quem encerra Tatanagüê cantando As Sombras, um alerta para um Brasil que precisa se conhecer melhor. “Eu sinto falta da convivência mais pacata e gentil, do riso que ficou preso na criança com fuzil”, lamenta na despedida.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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