Por João Gabriel Tréz (joaogabriel@opovo.com.br)

No primeiro disco, Mulher (2015), a banda As Bahias e a Cozinha Mineira reverenciou em especial a baiana Gal Costa e o mineiro Milton Nascimento. No novo trabalho, Bixa, o ponto de partida foi Caetano Veloso e seu Bicho, disco de 1977. O álbum da banda, formada pelas vocalistas Raquel Virgínia, paulista, e Assucena Assucena, baiana, além do guitarrista mineiro Rafael Acerbi, estará disponível desde meia-noite  de hoje em todas as plataformas de streaming.

“Olhamos para a música brasileira como um baú, que a gente abre e é muito rico”, metaforiza Raquel, que conversou por telefone com O POVO na tarde de ontem, 30. “Não existe nada que seja feito sem acúmulo. A gente faz essa rememoração de forma muito consciente, escolhida, apaixonada, porque a música brasileira é rica, potente, profunda”, avança a vocalista. “Em relação ao Bicho do Caetano, entendemos que nosso disco também trazia alegorias com o reino animal, que havia uma ligação entre os dois trabalhos. Não é algo saudosista, é uma digestão, uma absorção orgânica. Bixa reverencia a obra do Caetano, mas não é presa a ela”, esclarece. Nas dez faixas do álbum, surgem, entre outros, peixes, urubus, corujas, pica-paus e ratos povoando a natureza proposta pela banda.

Bicharada eletrônica
Mesmo animal, Bixa procura, como conta Raquel, contrastar a natureza e a tecnologia. Com produção de Marcelo Cabral e Daniel GanjaMan, a sonoridade do álbum aposta em batidas mais eletrônicas. “A direção artística e conceitual é nossa. O disco foi pensado para ter essa estética, por isso buscamos o Marcelo e o Ganja para produzirem a obra. Queríamos algo dançante, com marcas do eletrônico, da balada, da cidade. Trazer os contrastes entre a bicharada e o eletrônico, a ironia que há em todos esses avanços científicos e tecnológicos”, explica.

Ainda assim, as características presentes em Mulher, como a mistura de gêneros musicais, segue presente. “O disco passa por toda a nossa complexidade. Traz a parte romântica e dramática, a parte que a gente resiste, a que a gente desiste, depois tira sarro, fala sério, bota o dedo na cara, esconde”, elenca. “É um disco rápido, são 35 minutos, mas que aborda todas as sensibilidades que a gente entendeu que eram importantes. Tem muitas texturas, timbres, metáforas”. Pelo caráter mais pop, Raquel ainda conta que as expectativas para o lançamento estão grandes, mas “com tranquilidade”. “Estamos com uma estrutura maior, já temos agenda com televisão marcada. Acho que é um álbum que as pessoas vão gostar, tem um avanço. Vamos fazer uma forcinha, mas também esperar acontecer. Mesmo que se criem expectativas, só vamos saber como serão as coisas quando a gente soltar o disco e ele ganhar asas”, afirma.

Referência cearense
As Bahias e a Cozinha Mineira foi uma das principais atrações da última edição do Festival Maloca Dragão, em abril deste ano. A banda tocou no sábado, 29, no palco principal, e fez uma versão de Hora do Almoço, de Belchior. No dia seguinte, a notícia de que o cantor cearense tinha morrido veio à tona. “Cantamos essa música, nesse show Etc & Tal, desde o começo. A gente ia cantar (a música em Fortaleza) de qualquer maneira. Passamos por aí no momento antes da morte do Belchior, cantamos, o público cantou junto, chorou. Parece que há uma bênção nisso, que transcende nosso racional e vai para o emotivo”, lembra, assumindo que a experiência foi uma das mais emocionantes da carreira.

A relação da banda com o Ceará também passa pela referência musical: Raquel assume como influência para ela própria e para o grupo não somente Belchior (“ele tem muita influência em mim como compositora, lembro de me perguntar como a equação da composição de Velha Roupa Colorida tinha acontecido”), mas também Fagner (“minha vó ouvia muito dele ao meu lado”). A vocalista ainda lembra que As Bahias e a Cozinha Mineira irá se apresentar no Crato em 13 de novembro, dentro da Mostra Sesc Cariri. “Estamos preparando um show especial, com formação de trio, que irá estrear lá. Temos outras cidades sendo negociadas pelo Ceará e pelo Nordeste nesse período também. Esperamos muito chegar aí”, torce Raquel.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles