Falar em “disco mais moderno” na carreira de Elza Soares é correr o risco de cometer uma injustiça. A carioca de idade indefinida nasceu pra desafiar o tempo e rejuvenesceu a noção de moderno a partir do primeiro momento que cantou. A voz rouca evoca a tradição da lavadeiras, a fúria do rock, a versatilidade do jazz, mas é mesmo dedicada ao samba. E foi para esse ritmo que ela pediu passagem, mais uma vez, em 1972.

Aquele 15º álbum conectava a cantora com alguns dos nomes que começavam a despontar naquele início de anos 1970. De Gonzaguinha tem o samba sensual, sinuoso e sincopado O Gato. De Zé Rodrix e Luiz Carlos Sá tem o ritmo perfeito de Saltei de Banda. E de João Só veio o samba/bossa proletário Samba da Pá. E onde se fala de samba moderno, se fala de Jorge Ben, cujos versos de Pulo Pulo caem como luva na voz da crioula (“Pulo, pulo, pulo e não caio/ (…) E se eu caio/ Eu caio dentro do balaio de flores do meu amor”).

Característica que hoje a define, naquele início de anos 1970, a vida de Elza Soares já se dividia entre o drama e a necessidade de resistir. Elza Pede Passagem foi gestado depois de uma temporada na Europa, para onde cantora foi fugindo daqueles que não aceitavam seu casamento com Garrincha. Ídolo do futebol em seu melhor momento, o craque havia largado uma família para viver com uma cantora negra. Um escândalo que chegou às raias do absurdo quando eles tiveram a casa metralhada como sinal de protesto.

Entre Itália, Roma e outros palcos, Elza e Garrincha nadaram contra uma maré revoltosa. Calotes e assédios de empresários, violência doméstica, alcoolismo faziam parte do cardápio diário da família. Antes de partir para o Velho Mundo, em 1969, ela ainda havia perdido a mãe num acidente de carro, quando Garrincha dirigia bêbado seu Galaxie.

A estrada de dramas na vida de Elza da Conceição Soares, da pobreza ao preconceito, sempre foi cheia de altos muros e desafios. Não sem muito esforço e suor, ela ultrapassou um por um para hoje estar sentada em um trono digno dos grande ídolos da música do mundo. E só uma coisa a tira desse trono, o desejo de enfrentar mais um desafio.

Veja as faixas de Elza Pede Passagem (1972)
1. Cheguendengo (Jocafi/ Renato Luiz Lobo/ Antônio Carlos)
2. Saltei de banda (Luiz Carlos Sá/ Zé Rodrix)
3. Maria Vai Com as Outras (Toquinho/ Vinicius de Moraes)
4. Samba da pá (João Só)
5. ABC da vida (Luiz Reis/ Haroldo Barbosa)
6. Barão Beleza (Tuzé de Abreu)
7. Rio carnaval dos carnavais (Nilton Russo/ Moacyr/ Padeirinho)
8. O gato (Gonzaguinha)
9. Pulo, pulo (Jorge Ben)
10. Amor perfeito (Billy Blanco)
11. Mais do que eu (João Nogueira)

>> Saltei de banda (Luiz Carlos Sá/ Zé Rodrix) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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