Fotos: Rubens Rodrigues

Existia uma excitação grande pelo show dos Novos Baianos realizado no sábado, 21. Desde que a banda se reuniu, em 1997, para a gravação do disco Infinito Circular, foi mais de uma década de espera. Eis que os astros começaram a se alinhar quando Baby e Pepeu tocaram juntos no Rock In Rio de 2015 e, no ano seguinte, a banda toda se reuniu para a reinauguração da Concha Acústica de Salvador. Daí eles resolveram se reaproximar, seguir numa turnê, gravar um novo disco ao vivo e, quem sabe, um de inéditas para o ano que vem.

E foi essa turnê que chegou a Fortaleza no fim de semana. O encontro do núcleo duro da lendária banda setentista aconteceu na Praça Verde do Dragão do Mar, diante de uma plateia volumosa e feliz por presenciar aquele reencontro. Por Novos Baianos entende-se Baby do Brasil (vivendo um segundo auge profissional e com o público aos seus pés), Pepeu Gomes (ainda um dos melhores guitarristas brasileiros), Paulinho Boca de Cantor (voz emblemática que não acompanhou o sucesso dos parceiros), Moraes Moreira (compositor talentoso, violonista virtuoso e mais bem sucedido na carreiro solo entre seus pares) e Luiz Galvão (letrista que segue o grupo para manter a imagem de que estão todos juntos).

Sem banda de abertura, a apresentação marcada para as 21 horas começou às 23 horas com um telão exibindo imagens da época em que aquela turma de malucos cabeludos morava numa comunidade alternativa que tinha como base um sítio em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Era uma época de alucinógenos, liberdades sexuais, música sem barreiras e dinheiro escasso. Foi nesse clima de “um por todos e todos por um” que eles criaram clássicos da música brasileira que ainda hoje emocionam as multidões mais antenadas.

E foi essa música forte, pulsante e sem amarras estéticas que levantou a plateia da Praça Verde. Paulinho (voz e percussão), Moraes (voz e violão), Baby (voz e percussão) e Pepeu (voz e guitarra) ficam perfilados na frente e pouco interagem. Galvão faz aparições pontuais para recitar alguma poesia, mas o cansaço não permite que ele se demore.

Há uma tensão constante entre eles, como se rusgas históricas não tivessem sido apagadas. Em um dos momentos mais evidentes, em Tinindo Trincando, Baby do Brasil, em estado de graça e em plena forma, chamou Dadi (guitarra e baixo), Didi Gomes (baixo) e Pepeu para lhe cercarem, enquanto ela cantava e dançava. Na hora de chamar Moraes para a mesma confraternização, este ignorou categoricamente. Ela se ajoelhou aos pés dele e perguntou fora do microfone: “por que?”. Mais uma vez, ele ignorou.

Ficou feio para Moraes Moreira, sempre muito reconhecido pela alegria de suas músicas de carnaval. É verdade que, fazendo um balanço desses quase 50 anos de estrada, ele é o mais bem sucedido entre os Novos Baianos. Fez sua reserva de sucessos e hoje se mantém compondo e trabalhando sem muitas preocupações. Talvez por isso ele seja o único a ter um momento sozinho no palco para cantar o bem quiser por cerca de 15 minutos.

 

Nos momentos em conjunto, duas coisas ficam claras: que cada um faz seu show particular e que aquelas músicas de mais de 40 anos permanecem jovens. Ouvir Mistério do Planeta, ao vivo, na voz limpa e forte de Paulinho é algo inacreditável. A mesma sensação vale para Dê Um Rolê, outro desses clássicos que ninguém esquece. Baby dançando graciosa e cantando alegre sua Menina Dança, assim como Moraes dedilhando Acabou Chorare é algo indescritível. Só quem esteve lá é capaz de descrever o encontro de cordas que é Um bilhete para Didi.

Dadi Carvalho, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Juiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor e Moraes Moreira

Por falar em cordas, Pepeu Gomes estava com fome de música. Inventivo, agressivo, doce, melódico, divertido, criativo, genial são alguns dos nomes que podem ser atribuídos a esse músico de 65 anos que é capaz de ir do rock ao choro com uma versatilidade ímpar. Pepeu é um dos melhores exemplos de guitarrista brasileiro, justamente por saber ser brasileiro em qualquer repertório. E ele também é hábil em levantar a plateia. Em Fortaleza, ele foi o que mais se movimentou e “invadiu” o espaço dos outros para se aproximar do público. Nem quando a guitarra quebrou uma corda ele perdeu o rebolado. Segurou a ponta solta nos dentes e seguiu triturando o braço do instrumento.

O show acabou com muita emoção na plateia extasiada e pouca no palco. Um abraço frio e eles deram as costas em direção à coxia. Nem bem saíram, retornaram para um bis protocolar. Foi aí que Baby fez o jogo do público e foi fuzilada pelos olhares nada discretos dos seus companheiros de banda. “Pepeu, posso pedir uma música”, disse a cantora contrariando o desejo dos demais de ir embora. O constrangimento foi claro, mas a plateia aplaudiu. “Mas essa são vocês que cantam”, disse Paulinho, com um sorriso amarelo que deixou implícito o complemento “por que eu não vou cantar”. E foi aí que veio Brasil Pandeiro, mais uma vez, para fechar a noite de sonho, tensão e muita música.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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