Foto: Tatiana Fortes

Mais de 20 anos separavam os músicos Ricardo Bacelar e Cesar Lemos. Eles se conheceram nos anos 1980, quando integravam as bandas Hanoi Hanoi e The Fevers, respectivamente. Nessa época, morando só no Rio de Janeiro, Ricardo vivia um sonho roqueiro como tecladista de uma banda famosa e convidou o amigo para dividir um apartamento na Barrada Tijuca. Essa proximidade durou um ano, época em que eles se encontravam esporadicamente, entre um compromisso e outro.

O tempo passou, Cesar radicou-se em Miami e tornou-se um respeitado produtor. Ricardo voltou para Fortaleza, onde se divide entre os raros trabalhos como músico e a advocacia. Com a ajuda providencial da internet, se reencontraram e puderam bolar a primeira parceria. Resultado de uma imersão em ritmos, timbres e histórias que ligam os países latino-americanos à África, o disco Sebastiana traz uma proposta ambiciosa de rever a música brasileira a partir de olhares múltiplos e estrangeiros.

A ideia de fazer o disco nasceu no ano passado, quando Bacelar completou 50 anos. Provocado pela esposa a decidir como queria comemorar a data, ela mesmo deu a senha: “‘Quer um conselho? Faça a coisa que você mais gosta de fazer’. Então vou fazer um disco”, lembra o pianista que recebeu do amigo o conceito para seu terceiro trabalho. A ideia de Cesar foi convidar músicos latino-americanos para tocar música brasileira, cada um trazendo suas influências e seu sotaque natural. “Se eu fosse fazer só com músicos americanos, ficaria aquela coisa ‘samba samba samba’. E se fosse com músicos brasileiros a gente saberia como fica”, justifica Bacelar.

O resultado é um disco que não tem medo de soar sofisticado, nem nos momentos pop. “Tem uma petulância em fazer uma coisa como eu fiz. Por que se não fizer uma coisa bacana, fica esquisito. Vira um clone”, explica Ricardo que detalha sua pesquisa sobre instrumentos e ritmos no texto que acompanha o álbum. Ali, ele explica como misturou o vallenato ao baião. Ou como incluiu um charango (instrumento da família do alaúde feito com casco de tatu) em um clássico do Clube da Esquina.

Apesar de ter personalidade própria, é difícil não comparar Sebastiana com o trabalho mais pop e recente de Sérgio Mendes. Ricardo não foge da comparação, mas não assume as mesmas ambições do carioca radicado nos EUA. “Essas químicas são complicadas. Você não pode partir de uma ideia ‘vamos fazer uma coisa radiofônica’. Pode não dar certo”, defende-se contando que se jogou numa imersão profunda, junto com Cesar, para construir o álbum. “Pra eu chegar a isso aqui quebrei muito a cabeça. Você experimenta muito. É um trabalho de pesquisa mesmo”.

Embora não espere um estouro no rádio como conseguiu Sérgio Mendes, Ricardo também apontou para o mercado internacional quando pensou em Sebastiana. Além das plataformas de streaming, foram prensadas 5 mil cópias em CD e LP. Dessas, 1200 foram disponibilizadas para divulgação nos EUA, Japão, Europa e todo o Brasil. “Fiz esse disco para o mercado internacional por dois motivos. Primeiro, eu queria fazer um disco bonito, porque daqui a pouco não tem mais disco. O segundo foi abrir espaços lá fora”, conta, adiantando as dificuldades da música instrumental. “No Brasil, é difícil música instrumental por que você conta nos dedos quem gosta. Eu tenho até espaço, mas não tem mercado aqui. Eu quis realmente fazer uma coisa jogando a música brasileira para outros lugares, pra poder abrir espaço”.

Discografia:

In Natura (2001) – Reunião de ideias variadas, que misturam jazz, clássico e MPB. Participações de Frejat, Kátia Freitas, Belchior e Hanoi-Hanoi.

Concerto para Moviola (2016) – Gravado ao vivo em Guaramiranga, o show reúne músicos cearenses num show de jazz fusion. No repertório, Egberto Gismonti, Tom Jobim e Pat Metheny e outos.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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