Por Renato Abê (renatoabe@opovo.com.br)

Na elaboração do projeto musical que chega agora às plataformas digitais, o conceito de distopia se impôs ao cantor e compositor Caio Castelo. “Não no sentido de o mundo está acabando, mas no sentido de precisamos observar para onde estamos indo e procurar esse estranhamento de si mesmo”, afirma, destacando ser a “naturalização do virtual” um indicativo dos tempos de divergência vividos. O cantor e compositor cearense lança hoje o EP Pontes de Vidro e conversou com O POVO sobre o projeto que se estenderá por todo o ano.

Ao longo dessas quatro faixas já lançadas, o artista desfia canções cuja poética está ancorada na metáfora do reflexo. “Falo sobre enxergar o outro e se enxergar no outro. E também sobre refletir, confrontar o outro”, detalha. O EP é o primeiro de três trabalhos. Os sucessores serão lançados ao longo de 2018. “Existe uma unidade entre os três. Passam por três momentos dessa travessia (na ponte): o primeiro sobre reflexo, o segundo sobre vertigem e o terceiro é sobre encontro”.

Do volume 1, o compositor destaca trechos emblemáticos para entender o conceito das “pontes de vidro” que são “atravessadas todos os dias” em tempos de encontros desencontrados. “São os versos: ‘Te conheço bem do pouco que sei de mim’ e ‘Me escoro num canto e decoro o encanto do abismo entre nós’”, ilustra.

Apesar de estar lançando no modelo de EP, com poucas faixas, Caio explica pensar seus trabalhos ainda no modelo tradicional. “Eu sempre penso o álbum cheio. Não que esteja julgando, dizendo que o EP vale menos. Mas minha forma de pensar ainda está dentro dessa lógica (do CD)”, reflete. “A decisão de fazer em três partes passou também por uma questão mercadológica”, completa, destacando a lógica de lançamentos “soltos” de artistas brasileiros da atualidade —modelo que facilita a difusão das músicas na web.

Nesse momento da carreira, Caio se reinventa numa sonoridade mais dançante, numa mescla de elementos orgânicos e eletrônicos. O cantor atribui as novidades ao formato guitarra/ sintetizadores/ bateria, adotado por ele. “Essa sonoridade partiu de uma mudança na formação da banda, que vinha sempre se apresentando com metais, teclados, baixos. Aí agora estamos resolvendo tudo em trio, foi aí que procurei experimentar dentro dessa limitação. Delimitamos um universo e brincamos com as possibilidades”, conta.

Atualmente o cantor está acompanhado de Ayrton Pessoa (teclados) e Igor Ribeiro (bateria e percussão). O trio realizou o trabalho no estúdio Orelha, que é do próprio Caio. “Essa quebra em três EPs vem também por conta do estúdio, porque a gente pode seguir produzindo e é uma forma de escoar a produção, continuar criando”, esmiuça. Na última quarta-feira, ele lançou o clipe do primeiro single do trabalho: Ponto Cego. Dirigido por Allan Diniz – com quem já trabalhou antes, no clipe de A banda abandona a cidade -, o vídeo registra o processo de trabalho do trio.

Do debut, o CD Silêncio em Movimento (2013), até agora, Caio identifica muitas mudanças em si e no trabalho que realiza – seu segundo disco, Dois Olhos, foi lançado em 2016. “Lá (2013), eu estava buscando muita coisa ainda. Existia uma insegurança, que até repercutiu bem no trabalho de alguma maneira. Mas, depois disso, eu pude viajar, conhecer outros trabalhos. Hoje em dia já me sinto mais consciente de quem eu sou enquanto intérprete e da forma de enxergar o mundo”, se firma.

Convergência artística
Para pensar visualmente o seu novo trabalho, o cantor e compositor Caio Castelo contou com time de artistas das artes visuais cearenses. O jogo de reflexo, poética da canções, foi parar na capa do disco, produzida em parceira com a fotógrafa Taís Monteiro, a artista plástica Raisa Christina e o designer Felipe Goes, do estúdio de criação Carta&Carta.

“Para viajar nessa ideia de reflexo, pensei primeiro na Taís, curto muito essa fotografia mais analógica que ela faz”, detalha. Nas pesquisas com a fotógrafa, surgiu a vontade de incluir a Raisa, que já tinha ilustrado o disco Silêncio em Movimento. Por fim, Felipe chegou para pensar a “marca” dessa nova obra. “Foi uma energia muito massa, a gente foi viajando, buscando essa identidade e já executando ao mesmo tempo. Existiu muita convergência”, celebra Caio.

SERVIÇO
Onde ouvir: disponível a partir de hoje no Deezer, Spotify e Youtube

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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