* Texto escrito para o quadro Discografia, da rádio O POVO/CBN

A formação causou espanto de início. Gilberto Gil, Gal Costa e Nando Reis juntos numa turnê nacional. Mas deu certo e o projeto Trinca de Ases correu o Brasil no ano passado arrebanhando um público considerável. O encontro de Gal, Gil e Nando aconteceu a convite do jornalista Jorge Moreno para celebrar o centenário de Ulisses Guimarães. Vendo o potencial – mais comercial que artístico – do encontro, eles seguiram e deram mais corpo ao projeto.

Realizada no meio dos compromissos particulares dos artistas, a turnê Trinca de Ases foi registrada em CD e DVD ao vivo. O lançamento aconteceu no mês passado pela Biscoito Fino. Além dos três protagonistas, o show contou com os reforços de Kainã do Jejê na percussão e Magno Brito no baixo. O formato minimalista é insuficiente para dar peso aos arranjos, e também não funciona no argumento do “trabalho minimalista, mais despojado”.

Gal Costa, Gilberto Gil e Nando Reis estão entre os nomes mais fortes da música brasileira moderna, cada um no seu setor. Falar de um palco que reúna esses nomes é falar de um solo sagrado, iluminado pelos deuses. Mas a Trinca de Ases promete mais do que entrega. Mesmo que o encontro se esforce para surpreender, é notório que não houve tempo ou vontade de ir muito além do capital musical que eles já acumularam ao longo das carreiras.

O show registrou 26 músicas, onde Gilberto Gil se sobressai pelo gênio que é e sempre foi. Nando Reis também é um compositor de grande talento, sem dúvidas. E ele mostra isso com Dois Rios e Espatódea, ambas cantadas por Gal Costa. Apesar de ser uma das intérpretes mais influentes da MPB, há tempos a baiana perdeu o brilho dos agudos e parte da força da interpretação.

Ainda assim, é uma grande surpresa rever Gal cantando Nada Mais, versão em português para Lately, de Stevie Wonder. A versão original (em inglês) ficou com Nando Reis. Encerrando com a sempre divertida Barato Total, o show Trinca de Ases vale pelo encontro de três figuras fundamentais para se entender a música brasileira pós-Tropicalismo. Mas deixa um gosto de meio caminho andando, de que algo ficou faltando.

Confira abaixo entrevistas inéditas com Gal Costa e Nando Reis sobre o projeto. Elas aconteceram em 2017, por ocasião da passagem da turnê por Fortaleza.

Nando Reis

DISCOGRAFIA – Quando e como você conheceu Gal e Gil?
Nando Reis – Acho que posso dizer que conheci Gil e Gal agora, nesse projeto. Estou conhecendo mais e melhor a cada show, em cada ensaio. Antes disso, apenas encontros eventuais em situações profissionais, ou em camarins. Gil, eu já conhecia um pouco, quando participamos em algumas faixas do Cor de Rosa e Carvão, de Marisa Montes.

DISCOGRAFIA – Já vi você comentar em outras situações sobre sua admiração pelo Gil, principalmente nos primeiros discos. Vejo muito de Nando em Back In Bahia, por exemplo. De que eu formas ele te influenciou?
Nando Reis – Os discos de Gil especialmente dos anos 1970 e primeira metade dos 1980 foram determinantes para minha formação musical. As composições, a forma magistral como ele toca violão. Assisti inúmeros shows do Gil desde muito cedo. É, sempre fui fascinado pela música, seu raciocínio, sua forma de falar, aqueles shows enormes que, às vezes, ultrapassavam 3 horas, 3 horas e meia… De fato, acho que tenho muito “de Gil”. Back in Vânia (do disco Sei, de 2012) é uma referencia explícita a Back in Bahia.

DISCOGRAFIA – Um dos números mais comentados do show de vocês é o dueto com Gal em Lately/ Nada mais, uma música que há tempos ela não cantava. Como essa música entrou para o repertório?
Nando Reis – Quem me apresentou a ideia foi Marcus Preto, que fez o roteiro do show. Ele trabalha muito com a Gal, fez direção musical do disco é do show Estratosférica, entre outras coisas. Essa performance vocal da Gal é magnífica, o momento mais aplaudido do show.

DISCOGRAFIA – Queria saber detalhes da montagem desse show, que nasceu pra ser um só e virou uma turnê. Como foram montados os arranjos, seleção de repertório, escolha dos músicos que acompanham, ensaios, etc.
Nando Reis – A ideia do show surgiu depois de uma apresentação que fizemos juntos no ano passado numa homenagem ao que seria o centenário do nascimento do Dr. Ulysses Guimarães, em Brasília. Ficamos entusiasmados e um dia recebi um telefonema da Flora Gil perguntando se eu gostaria de fazer uma turnê. Aceitei imediatamente! Gil deu a ideia de termos mais dois músicos no palco, e indicou Magno Brito (contrabaixo) e Kainan do Jêje (bateria e percussão), jovens e extremamente talentosos. Marcus Preto foi fundamental para alinhavarmos repertório e roteiro. Os arranjos, fizemos juntos durante os ensaios.

DISCOGRAFIA – Três músicas inéditas entraram para o repertório. O que você comenta dessas novas canções? Com o andar da turnê, já estão surgindo novas canções?
Nando Reis – Gil compôs Trinca de Ases, que deu nome ao show. Eu fiz Dupla de As, e juntos fizemos Tocarte. Se faremos mais músicas? Por mim, faríamos um disco inteiro com coisas inéditas. Trabalhar com os dois é uma dádiva, um momento único em minha vida.

DISCOGRAFIA – Você ficou muito reconhecido como um autor de muitas intérpretes. Gal é nova nesse hall de intérpretes de Nando Reis. Tem alguma música sua que, em especial, você esperava ouvir na voz dela?
Nando Reis – A voz de Gal é uma das coisas mais lindas do Universo; sempre foi! Sempre imaginei ela cantando Espatódea esse também é um momento sublime do show.

Gal Costa

DISCOGRAFIA – Nando é compositor novo na sua voz. O que você tem descoberto na poesia, no trabalho dele com essa aproximação?
Gal Costa – Tenho gostado muito das composições do Nando Reis. Descobri uma beleza que desconhecia na maioria de suas canções. Estou amando!

DISCOGRAFIA – Queria saber um pouco da Gal Costa musicista. Até onde me consta, a única que vez que você tocou violão ao vivo foi no Gal Fatal. Estar dividindo o palco com dois violonistas não te deu vontade tocar também?
Gal Costa – Não me deu vontade de tocar não, gosto mesmo é de cantar. Quando trabalho com uma banda gosto de dar ideias, participar do trabalho.

DISCOGRAFIA – De que forma o Trinca de Ases dialoga com seu trabalho solo mais recente?
Gal Costa – Música é uma arte que faz parte da minha vida. Portanto, Trinca de Ases dialoga sempre comigo. Não tem como não ser assim.

DISCOGRAFIA – Um dos números mais comentados do show de vocês é o dueto com Gal em Lately/ Nada mais, uma música que há tempos ela não cantava. Como essa música entrou para o repertório?
Gal Costa – Foi uma ideia do Marcus Preto e deu muito certo. É um momento especial no show.

DISCOGRAFIA – Vendo o elenco do projeto Trinca de Ases, é impossível não lembrar dos Doces Bárbaros. Que semelhanças e/ou diferenças você vê nesses dois projetos?
Gal Costa – Não vejo nenhuma semelhança com Doces Bárbaros. Não tem nada a ver. Acho mais Trinca de Ases.

DISCOGRAFIA – Quais são os planos para esse encontro? CD, DVD, Turnê até quando?
Gal Costa – Até quando não sei, talvez façamos até o fim do ano. Depois disso temos coisas pra fazer individualmente. Provavelmente faremos DVD.

DISCOGRAFIA – Queria saber detalhes da montagem desse show, que nasceu pra ser um só e virou uma turnê. Como foram montados os arranjos, seleção de repertório, escolha dos músicos que acompanham, ensaios, etc.
Gal Costa – Gil resolveu levar adiante esse encontro. Ele fez os arranjos com Nando. Gil escolheu os músicos e resolveu a formação da banda.

DISCOGRAFIA – Esse ano você completa 50 anos de carreira, mas chegou a montar nenhum projeto especial com essa intenção. Por que? Não se trata de uma data especial pra você?
Gal Costa – Sim, muito especial. Lanço pela Biscoito Fino o DVD do show Estratosférica, gravarei um disco novo no final do ano. Tenho muitos projetos caminhando.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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