Por Victor Hugo  Santiago, músico

Por Victor Hugo Santiago

“Batuque é um privilégio,
ninguém aprende samba no colégio…”
 (Noel Rosa / Vadico)

Nesse trecho de Feitio de Oração, Noel Rosa deixa implícita a organicidade com que retrata a figura dos ritmistas, onde estes têm como privilégio a possibilidade do batuque natural, sem que necessariamente precisem passar pelo crivo secundarista. Nessa perspectiva, ao buscarmos compreender a percepção e essência rítmica enquanto melodia, teremos uma dialética do que é som, uma vez que a harmonia é com frequência utilizada como base. A partir dessa ideia, convido o leitor a apreciar o mais recente trabalho do baterista Edu Ribeiro, bem como conhecer um pouco da trajetória de sua carreira.

Edu nasceu em 1975, em Florianópolis. Músico autodidata, aprendeu a tocar bateria aos 8 anos. Aos 11, já se apresentava com a banda de baile de sua família, a Stagium10. De 1992 à 1996 cursou Música Popular na Unicamp. Ainda em 1996, com uma bagagem musical adquirida na infância, mudou-se para São Paulo e com méritos indiscutíveis passou a trabalhar com vários artistas de expressão nacional e internacional, tais como Ivan Lins, Johnny Alf, Rosa Passos, Leny Andrade, Joyce Moreno, Hamilton de Hollanda, Yamandú Costa, Toquinho, Dominguinhos, Ernán Lopez-Nussa, Randy Brecker, Mike Stern, Stacey Kent, entre outros.

Com Fabio Torres (piano) e Paulo Paulelli (baixo), formou o Trio Corrente em 2002. Desde seu início, o trio vem criando uma música original, interpretando de forma única os clássicos do choro e da MPB, além de composições próprias. Edu também faz parte do Quinteto Vento em Madeira, em parceria com Léa Freire (flauta), Tiago Costa (piano), Teco Cardoso (flauta e saxofone), Fernando Demarco (contrabaixo) e Monica Salmaso (voz). Juntos gravaram os álbuns Vento em Madeira em 2011, Brasiliana em 2013 e Arraial em 2017.

O álbum Na Calada do Dia, lançado em 2017 pela Maritaca Produções Artísticas (da flautista e compositora Léa Freire) e distribuído pela Tratore (que tem ordenação digital e física) é o seu mais recente trabalho. O disco foi gravado com Bruno Migotto (contrabaixo), Guilherme Ribeiro (acordeão), Rubinho Antunes (trompete) e Gian Correa (violão de 7 cordas), contando ainda com a participação de Léa Freire (flauta). Ele chega onze anos após o lançamento de seu primeiro disco solo. O repertório traz músicas autorais e inéditas do artista e demais integrantes do quinteto, além de composições de Chico Pinheiro (guitarrista) e Léa Freire.

Em meio a complexidade sonora que compõe o disco, Edu nos fornece um laboratório de “práticas de conjunto”. A cada faixa pode-se adentrar em diversos “brasis” através de uma gama de estilos e ritmos: choro, maracatu, valsa, samba e suas inúmeras variações de experimentos, onde divisões ritmadas se acentuam de forma cadenciada, enfatizando cada nota executada e dando as “melodias rítmicas” uma notoriedade considerável para além do previsível.

Destaco a composição Maracatim, onde o trompete dobra frases e convenções com o acordeon, timbrando de forma impecável em uma dinâmica sensacional, proporcionando ao ouvinte o “sabor” de “ao vivo”. Na faixa  Aguaceiro, a harmonia do violão e o acordeon da introdução fazem base para as melodias rítmicas da bateria de Edu,  retratando a narrativa abordada anteriormente. Ainda sobre a música, a ideia de colocar um “frevo” e “ijexá” em uma divisão de compassos compostos foi genial. Na Calada Do Dia, faixa que dá título ao CD, nos mostra com precisão a assinatura de Edu na bateria e composição. Uma identidade performática genuína. Sua habilidade na execução do “chimbal” ou “hi-hat”, como é conhecido no termo em inglês, realça sua condução e o coloca como um instrumentista de vanguarda.

O baterista é “endorse” das marcas Evans e Promark. Tem ainda atuação constante na área da educação. Desde 2006 atua como professor e possui Lato Sensu em formação para professores do ensino superior pela Universidade Paulista. Atualmente, leciona na Fasm (Faculdade Santa Marcelina) e é coordenador de música popular na Emesp (Escola de Música do Estado de São Paulo). Constantemente ministra “workshops” em diversas escolas e festivais pelo País e fora dele, como por exemplo: na Juilliard School of Music, em NYC, e na Ecole de Musique Didier Lockwood, em Paris. Ainda como professor, idealizou o projeto ERMW (Edu Ribeiro Music Workshop), lançado em 2015,  que trata-se de um portal de aulas online para estudar bateria de forma prática e acessível, destinado aos que têm interesse em suas técnicas e na música brasileira. O ERMW é composto por vídeo aulas e direcionado para os músicos que se encontram no nível intermediário ou avançado como instrumentista.

Sobre a carreira de Edu, Maria Luiza Kfouri (jornalista e musicóloga brasileira) comenta no site oficial do músico: “Pense num baterista feliz. Ele um dia me disse: Só mesmo com muito senso rítmico pra poder lidar com tantos tempos – e também com os contratempos – num instrumento que abriga tantas nuances e tantos mistérios em seus diversos tambores, pratos e baquetas. Em minha já não curta vida de ouvinte e pesquisadora musical, ouvi poucos bateristas como ele. E quando me dizem ‘pense num baterista’, eu penso em Edu Ribeiro”, conclui.

Na contracapa de Na Calada do Dia, Edu agradece “o amor que tiveram nesse momento em que pararam para ler essa prosa e ouvir um pouco dessa música que faço com muito carinho. Se estivéssemos aqui em casa, eu serviria um chá para cada um de vocês”.

No mais, bom deleite a todos. Salve os sons!

About the Author

Mariana Amorim

Jornalista, apaixonada por comunicação e envolvida com música! Acha que uma bela canção pode mudar o mundo. Coleciona livros, discos de vinil, imãs de geladeira e blocos de anotação. Apaixonada pelos garotos de Liverpool e pelo rapaz latino-americano.

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