Existem muitos mistérios em torno de João Gilberto. De onde saiu aquela famosa batida da bossa nova que atraiu tantos músicos pelo mundo como um canto de sereia? Tanta obsessão pelo som ideal seria perfeccionismo ou loucura? Ele estaria afundado em dívidas, louco e às vias de não ter onde morar? Como ele se mantém se não faz shows, cria intriga com produtores e se nega ter reeditados seus álbuns cultuados em todo o planeta? Embora não tenha feito da vida um espetáculo midiático, como fez o também misterioso Michael Jackson, João também é uma incógnita presente na música brasileira há seis décadas.

Ser o graal da bossa nova um recluso eremita do Leblon não impediu o jornalista alemão Marc Fischer de iniciar uma busca infrutífera pelo seu ídolo. Em 15 dias no Rio de Janeiro, ele se uniu a uma tradutora (ele não entendia nada de português) e saiu entrevistando pessoas e perseguindo João como um Indiana Jones à procura de pedras mágicas. O percurso de Fischer é narrado em Ho-Ba-La-Lá – À Procura de João Gilberto, livro lançado em 2011 e que serve de base para Onde está você João Gilberto, filme do francês Georges Gachot.

A missão de Fischer já era inglória em 2010, quando desembarcou no Rio para encontrar João e fazê-lo um pedido inusitado: que ele cantasse uma de suas raras composições, Ho-Ba-La-Lá. O jornalista morreu pouco depois de voltar à sua terra sem ter seu desejo realizado e sem ver seu livro publicado. Oito anos depois, com o mestre da bossa ainda mais distante do que se convencionou chamar de vida real, Gachot decide refazer o percurso e, mais uma vez, tentar o show particular. Até o final desse texto, você não vai saber se ele conseguiu. Ainda assim, espero que você passe para o próximo parágrafo.

Sim, assim como esse texto, o grande chamariz para o filme está no nome de João Gilberto, mito incontestável na história da música terráquea. Se você tem um mínimo de conhecimento sobre o homenageado ou sobre a música brasileira, os 106 minutos de Onde está você João Gilberto vão acrescentar poucas informações objetivas. Agora, se você é fã do oráculo do amor, do sorriso e da flor, o filme vai lhe render momentos de puro deleite sonoro (a trilha é incontestável) e visual (o Rio de Janeiro continua lindo).

Caminhando pelas ruas cariocas, entre dias nublados e de sol tímido, Georges Gachot brinca de detetive ao lado da mesma tradutora que acompanhou Fischer (Rachel Balassiano). Munido de vídeos, fotos, áudios e anotações, ele tenta achar os mesmos famosos e anônimos que deram pistas ao seu antecessor. Roberto Menescal (sempre ele!) é o mais revelador ao falar do amigo que preferiu manter distância por uma questão de saúde. Marcos Valle aborda mais a influência que sofreu, já que assume ter tido pouco contato. João Donato tenta emplacar uma saudade de alguém que ele não vê há décadas. O garçom que faz entrega do mesmo prato há anos no endereço de João, sem nunca tê-lo visto, e um cabeleireiro, que embora não receba mais o cliente, ainda respeita o silêncio sobre os gostos estéticos do maior intérprete de Chega de Saudade.

Em meio a mistérios, silêncios e o mar de Copacabana, Miúcha protagoniza duas cenas curiosas. Em uma, dividindo um piano com Donato, ela diz que o ex-marido está chegando com a filha Bebel Gilberto para se juntar à turma da filmagem. Em outra, ela atende uma ligação no meio da entrevista e diz que era João do outro lado da linha – mas não passa o telefone para o embasbacado Georges. Se são verdade as afirmações ou se fazem parte da magia do filme, é difícil saber. Um empresário estranho e um mítico banheiro se atravessam na narrativa intensificando a amálgama de realidade e ilusão que envolve o bruxo de Juazeiro. Ao fim a única certeza é que não há silêncios mais lindos que os que envolvem João Gilberto.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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