Fotos: Tatiana Fortes/ O POVO

Por Bruna Forte (jornalista)

Na casa partilhada entre o aviador Pedro Rogério Aguiar e a professora Maria José Franco – conhecida nas ruas do bairro e pelos corredores da Secretaria de Educação do Estado do Ceará como Monavon –, o rádio estava sempre ligado. Quando o filho do casal nasceu no dia 28 de janeiro de 1944,  feito fruto maduro colhido de um amor terno, foi logo embalado pelas cantigas de Nelson Gonçalves a Isaurinha Garcia. Perdido entre vogais e simples operações matemáticas no período de alfabetização, o pequeno Rodger Franco de Rogério descobriu nas partituras símbolos ainda mais poderosos para ele: as notas musicais. Apressou-se em aprender todas e cantar ao lado do aparelho radiofônico, no ritmo daquele João Gilberto que o encantou logo aos 12 anos. Hoje, celebrando 75 anos de chegadas e partidas, Rodger Rogério sobe ao palco do Cineteatro São Luiz carregando na voz já rouca a história da música cearense.

“Eu não tenho carreira na música, eu tenho só uma caminhada. Nunca fiz carreira mesmo, sempre cantei um pouco aqui, um pouco ali adiante… Eu me profissionalizei  em outra coisa”, apequena-se Rodger Rogério. Mas os sagazes olhos estreitos, diminutos pelo sorriso fácil que parece morar no canto dos lábios engelhados pelo tempo, escondem segredos aos desavisados: apesar de dispensar apresentações aos mais afeitos à música cearense, foi apenas nos idos dos anos 2000 que o artista voltou timidamente aos palcos. Cantor e compositor acurado, Rodger Rogério é um dos precursores da geração nacionalmente conhecida como “Pessoal do Ceará” – ao lado de Téti e Ednardo, assinou o álbum Meu Corpo, Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem (1973) e, dois anos depois, dividiu com sua então esposa Téti a autoria do disco Chão Sagrado (1975), cuja faixa-título é parceria entre Rodger e o imortal Belchior (1946-2017).

Rodger é imbricado com a música “desde que se entende por gente”, como lembra despretensiosamente entre relatos de sua vida, mas a paixão pelo ofício de ensinar logo tomou sua rotina de aprendiz e o tempo entre os instrumentos de corda foi substituído pelos números. Graduou-se em Física pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e, em 1967, mudou-se para São Paulo para concluir o curso na terra da garoa. Saudoso do Ceará, o novo aluno da Universidade de São Paulo (USP) compôs  incontáveis canções no enquanto se dividia entre as Leis de Newton – como diria Belchior em Fotografia 3×4 (1976), “o que pesa no norte, pela lei da gravidade/ Disso Newton já sabia: cai no sul, grande cidade”.  Voltou com o peito em chamas para Fortaleza, mas dois anos depois já se debandava novamente. Agora, para um Mestrado na Universidade de Brasília (UnB).

“Foi uma turma daqui de Fortaleza para Brasília, tentar a vida. Alguns, ensinar; outros, estudar. O Fausto Nilo, por exemplo, foi para o curso de Arquitetura. Mas o Belchior foi para o Rio de Janeiro e ganhou o Festival Universitário da Canção Popular da TV Tupi (em 1971) com Na hora do almoço. Nesse momento, a gente pensou: então a gente também pode!”, ri-se. Enumera o “a gente” tão incipiente ainda: Ednardo, Fagner, Amelinha, Téti, Olga Paiva, Petrúcio Maia…  “Mas eu nunca me vi músico”, explica Rodger, e voltou pela segunda vez à paulicéia desvairada para ensinar Física na USP. Só largou São Paulo por desistência – ou seria insistência? – dos pulmões, que nunca se adaptaram ao clima da cidade.  “Os médicos me diziam: ‘Vá pra sua terra que lá você fica bom’. Voltei”.

Rodger Rogério lecionou Física na UFC até 1990, quando se aposentou. Mas, incomodado com a timidez que o afastou dos palcos e salões de shows, decidiu utilizar o tempo agora livre para fazer o Curso de Artes Dramáticas (CAD) da universidade. “Depois que eu comecei o curso de teatro, comecei também a gostar de escrever. Minha intenção era estudar e escrever para teatro, na verdade. Só que, quando eu comecei a atuar, vi que era um  barato!”, conta aos risos. “Já tinha 46 anos e adorei atuar, comecei a fazer cinema e fui convidado para filmes. Participei de quase 40 filmes”, complementa o artista. As artes cênicas foram responsáveis pelo regresso de Rodger Rogério à música. “Comecei a brincar de cantar e fui tomando gosto. Eu não cantava antigamente porque era casado com a Téti e ela cantava muito bem, né?”, graceja. Certa feita, enquanto tomava sua cachacinha com os amigos, foi convidado pelo proprietário do Cantinho do Frango para “dar uma canja” no show do Manassés. Tomou gosto, apaixonou-se novamente pelo cantar e gravou improvisado seu primeiro disco ao vivo na Feira da Música de 2003.

Rodger, cujos primeiros parceiros musicais foram Augusto Pontes e Dedé Evangelista, hoje partilha composições e shows com uma geração musical mais recente e não poupa elogios ao que chama de “pessoal mais novo” – como Vitoriano, Daniel Groove, Vitor Colares, Nayra Costa, entre outros nomes. “Foram eles que me resgataram”, sentencia. “Quero ser lembrado por cantar. Eu quero cantar, cantar qualquer coisa, cantar tudo o que me toque.”

Na noite deste domingo, 20, Rodger Rogério apresenta ao público o seu novo EP, intitulado Velho Menino. Com canções inéditas feitas por Rodger em parceria com os compositores Dalwton Moura e Rogério Franco, irmão do intérprete, o álbum está maturando há uns bons 10 anos. Além dos instrumentistas consagrados como a cantora Kátia Freitas, o guitarrista Cristiano Pinho e os irmãos Bruno e Mateus Perdigão (Bloco Luxo da Aldeia), Rodger reúne no palco os filhos Rami, Flávia e Daniela Rogério;  e a neta Júlia Fiore.

Letrista dedicado aos acordes compostos por Rodger, Dalwton Moura compartilha que o intérprete outrora envergonhava-se de cantar a faixa que abre o EP, As Deusas d’Iracema. A música diz assim: “As deusas de Iracema já não me olham mais”. Tolas são elas, Rodger. Esta noite, Fortaleza só tem olhos para celebrar sua vida.

Show Rodger Rogério – 75 Anos
Data: Hoje, às 18 horas
Local: Cineteatro São Luiz Fortaleza (Rua Major Facundo, 500, Centro)
Quanto: R$ 20 (inteira)

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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