* Íntegra do Ponto de Vista publicado no dia 07.07.2019 no Jornal O POVO

Dois aspectos chamam a atenção, de imediato, quando se fala o nome de João Gilberto. O primeiro é sobre um talento que muito se comenta, pouco se questiona, mas pouquíssimos sabem explicar. O segundo aspecto sãos suas muitas manias, coisas estranhas como viver isolado num apartamento com as janelas e cortinas fechadas, tendo pouco ou nenhum contato com o mundo exterior.

Sim, é bem provável que haja uma forte dose de loucura entrelaçada na genialidade de João. Mas essa amálgama é muito comum entre muitos gênios da música. Mozart, o austríaco que já havia entrado para a história antes dos 15 anos, era capaz de virar noites seguidas em busca da partitura perfeita. Jimi Hendrix, o mais furioso guitarrista que se conheceu, também levou seus excessos até as últimas consequências. Elis Regina, a maior cantora da MPB, estava longe de ser uma pessoa fácil. E o que dizer de Michael Jackson, o gênio maior do pop, que nunca soube separar a realidade da fantasia?

Para João Gilberto, tudo o que interessava era o silêncio. A música deveria ter silêncios para fazer todos os sons brilharem. Num mundo tão zoadento, onde todos gritam para se ouvirem, é difícil entender isso. Ele insistia e atraiu muitos para seu mundo particular. A roqueira Rita Lee se rendeu ao pai da bossa nova. A tribo maluquete dos Novos Baianos fez silêncio para ouvir o mestre. Muitas lendas da história do jazz observaram cada detalhe para tentar entender de onde vinha aquele som.

Depois do Brasil conhecer o canto operístico de Angela Maria, Cauby Peixoto e Francis Alves, João chegou falando baixinho e criou um mundo a partir do silêncio. Quem se importa se ele sempre pedia o mesmo prato, do mesmo restaurante, e queria que viesse sempre pelo mesmo entregador? Quem se importa se ele consertava seus óculos sempre na mesma ótica? Sim, ele era adepto dos telefonemas intermináveis durante a madrugada. Mas e daí? Quem dera eu ter recebido um desses telefonemas. A real loucura de João Gilberto foi insistir numa perfeição inquestionável e acreditar que alguém iria prestar atenção numa música onde a maior riqueza está na simplicidade. Ele acreditou nisso e acertou. O mundo acabou se rendendo à genialidade de João Gilberto. E louco mesmo é quem nunca se rendeu também.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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