Por Daniel Medina, cantor e compositor

A história recente da música brasileira passa por uma rua, rua Purpurina, Vila Madalena, São Paulo. Lá, o estúdio de uma antiga gravadora se tornaria sede de um dos selos musicais mais fortes do País, a Yb Music. Por ali passaram e passam nomes como Tulipa Ruiz, Curumim, Luedj Luna e foi através de Saulo Duarte e Igor Caracas que tive a alegria de integrar esse time.

Logo na primeira visita ouvi com carinho: “Meu apelido é Mau, mas sou bonzinho, viu?”. Com essas palavras fui recebido por Mauricio Tagliari, diretor artístico do selo e um dos sócios da Yb. Depois de produzir e possibilitar mais de uma centena de discos, Maurício lança Maô – Contraponto e Fuga da Realidade, primeiro álbum que leva à frente seu nome, projeto polifônico recheado de parceiros, parceiras e participações especiais. A produção musical das 12 faixas ficou por conta do próprio Tagliari e de Jesus Sanches.

“Transformar o silêncio, transformar”. A faixa Silêncio em Prata abre os trabalhos. Esse samba denso e de sotaque paulistano é uma parceria com Rodrigo Campos e Rosane Pavam. Estreante em fonogramas, a voz de Tagliari ataca macia, como um acalanto misterioso, surpreendendo muitos dos que convivem com ele há anos.

A presença feminina se destaca por todo o disco. Começando em Pele, olho, coração onde Mau divide os vocais e a parceria com Laya, amiga e cantora cearense que também integra o selo. Em Sede é a vez de Luedji Luna, certamente uma das maiores potências da música do Brasil de hoje. As cantoras e compositoras Juliana Perdigão e Thais Amora também dividem e assinam parceria com Tagliari nas faixas Yamamoto e Pode Beijar, tendo esta nascido sobre poema de Thais.

Assuscena Assucena, vocalista das Bahias e a Cozinha Mineira, e Lenna Bahule interpretam respectivamente Nunca te vejo, parceria inusitada com a produtora Verônica Pessoa, e Diabim, música mais antiga do disco, nascida de Mau como canção para ninar seu primeiro filho, hoje com 22 anos. Todas as demais canções do álbum contém o frescor das inquietações atuais e das novas parcerias.

São muitos os músicos envolvidos a cada faixa. Sem dúvida um luxo poder contar em um só disco com nomes como Maurício Pereira, Gabriel Bubu, Maria Beraldo, Igor Caracas, Nereu, Maria Portugal, Guilherme Kafé e Ricardo Herz, por exemplo. Um ponto singular do repertório é Bando à parte, faixa essa com clipe no ar. É parceria de Tagliari com Clima, figura emblemática da música paulista.

Entre os vários tons de samba, mas não somente, Saulo Duarte é o parceiro em Maria da Graça. Já em Deixa quem quiser falar, parceria de Tagliari com o grande letrista Ronaldo Bastos, MAÔ alude ao groove de Jards Macalé 70’s com interpretação do cantor Pélico.

Vertiginosa, a faixa título Contra ponto e fuga da realidade conta com a presença de Negro Leo, nome central em matéria de inventividade e desassossego, como sempre desfragmentando o disco rígido da canção popular e arejando o juízo do ouvido. Fechando o disco, em Quem acordaria o timbre peso pena peso pesado de Ava Rocha faz MAÔ alçar voar, entre violões, cordas e flautas, após um trajeto ora sereno, ora tortuoso.

“Onde será que isso acaba? Qual o seu plano de fuga?”, indaga a canção de Mau e Clima. Entre a utopia e a distopia MAÔ não dá respostas: ante a ousadia de um novo canto, o real que se arranje num descomunal e absurdo contraponto.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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