Haroldo Ferretti (bateria), Lelo Zaneti (baixo), Samuel Rosa (guitarra e voz) e Henrique Portugal (teclados) fundaram o Skank há 30 anos

Separações nem sempre significam falta de amor. Isso vale também para o mundo da música. Depois de anos, décadas de convivência, é bem comum que bandas anunciem o fim ou, como tem sido comum de uns anos pra cá, o eufemismo “férias por tempo indeterminado”. O Skank encontrou um meio termo entre as duas situações e anunciou, em novembro do ano passado, o próprio fim. Sem conflitos, intrigas, fofocas, o quarteto alegou apenas o desejo de buscar novos caminhos artísticos, se testarem fora de uma banda que construiu um sucesso honesto e robusto em 30 anos juntos. No entanto, tendo sido essa uma decisão cordial, nada os impede de voltarem a se encontrar no futuro. “Tenho certeza de que o Skank, num futuro aí, vai retomar e a gente vai se reencontrar com os fãs”, confirma o vocalista e guitarrista Samuel Rosa. Por hora, o que fica é a turnê de despedida que vai ocupar a banda ao longo de 2020 e chega neste sábado a Fortaleza. A apresentação acontece dentro da programação do I’Music, minifestival que abre sua terceira edição amanhã, no estacionamento do Iguatemi. Além dos mineiros, a programação agrega a jovem Giulia Be, a diva Marisa Monte, heróis do rock nacional, como Paralamas do Sucesso, e lendas da MPB como Zé Ramalho e Alceu Valença. Confira a íntegra da entrevista de Samuel Rosa, enviada por áudio ao Discografia.

DISCOGRAFIA – Esse show que vem a Fortaleza tem um peso especial uma vez que trata-se de uma turnê de despedida. O que esse aspecto acrescenta ao show? Pensaram em um repertório diferente, lados Bs? Além do quarteto oficial, quem mais completa a banda nessa turnê?
Samuel Rosa –
Acho que não só o show desse fim de semana em Fortaleza, mas toda a turnê agora desse ano vai ter um contingente emocional diferente. Por se tratar do fechamento de um primeiro ciclo, a parada do Skank anunciada, eu acho que… É óbvio que todo show que o Skank fizer, de agora até o final do ano, vai ter uma motivação especial. Não que falte a essa banda, mesmo com seus 30 anos de carreira, motivação pra subir ao palco. A gente se diverte muito e tocar ao vivo, pra gente, estar num palco sempre foi algo muito precioso. Mas agora, com o anúncio do fim desse primeiro ciclo, uma parada por um período que a gente ainda não sabe exatamente qual vai ser, até o final do ano, acredito que, não só pra nós, como pro público… Aliás eu já estou sentindo isso. Pro público que vem nos assistir vai ser um pouco catártico, o momento de lembrar a história da banda. É uma banda que sempre foi tão presente, né? Desde que apareceu. E aí, no repertório, a gente vai tocar as coisas mais clássicas, mais populares e nada impede que, ao longo do ano, a gente acrescente uma ou outra coisinha que não venha tocando. São tantas músicas, né, por se tratar de uma banda com tanto tempo de estrada.

DISCOGRAFIA – Como você já disse em outra entrevista, o Skank nunca teve um momento de ostracismo. Em diferentes medidas, todos os álbuns da banda renderem algum sucesso. Houve uma preocupação de encerrar o Skank num bom momento?
Samuel –
A gente não se preocupou muito, até por se tratar, como na pergunta mesmo e eu algumas vezes afirmei que o Skank, desde que apareceu, sempre figurou entre as bandas brasileiras do pop rock com maior fluência, com maior regularidade em festivais, em shows pelo Brasil afora e até mesmo fora do Brasil. Não me lembro de um período em que o Skank tenha ficado aí parado, sem show. Não me lembro disso. E como bem lembrou na pergunta, sempre um álbum… Obviamente que a gente acertou mais em uns do que em outros, mas sempre o álbum nos rendeu alguma música conhecida, alguma coisa tocando no rádio. Não houve essa preocupação de parar num momento bom ou ruim. Não é por que agora, vindo de uma turnê de êxito, como foi a dOs Três Primeiros, casas cheias e tal, que “ah, vamos parar agora que está bem”. Parar ainda é uma escolha nossa. Tem bandas que não podem escolher mais isso, né? Essa preocupação não foi o viés, não foi o que determinou. E sim algo mais interno, de aspirações que cada um tem, de fazer coisas com outras pessoas ou mesmo solo. Coisas que o Skank, pela sua regularidade, nunca permitiu muito. Por se tratar de uma banda atuante o tempo inteiro nesses quase 30 anos de carreira.

DISCOGRAFIA – Por outro lado, é sabido que o Skank nasceu num período em que o rock estava em alta no Brasil, fazia parte das preferências dos jovens e dava voz a muitos dos anseios dessa parcela da população. De que forma essa mudança do mercado, hoje muito voltado para o consumo mais imediato, interferiu na decisão de vocês?
Samuel –
O cenário da música brasileira não interferiu em nada na nossa decisão. O que pesou mais, como eu falei na pergunta acima, (foram) aspirações individuais, tempo de banda. O Skank é quase 30 anos, gente. Por mais legal que seja o trabalho, estar com os meninos, uma hora precisa dar uma respirada. Isso é natural, né? E, ao contrário do que disse na pergunta, o Skank não nasceu num período favorável para o pop rock, não. Pelo contrário. A gente vivia uma rebordosa, uma ressaca dos anos 1980, e as gravadoras e os programas de TV estavam concentrados em divulgar, em apostar era mais na lambada, no axé, que estava nascendo, começando a explodir, e até mesmo o sertanejo. A gente nasceu numa época em que as gravadoras não estavam contratando mais bandas novas. Tanto que pipocaram selos independentes pelo Brasil afora e o Skank lançou seu primeiro disco independente exatamente por desacreditar muito da possibilidade de ter uma gravadora. Mas acabou acontecendo e aí começou uma nova fase do pop rock brasileiro. O Skank encabeça um movimento novo de um pop rock, vamos dizer, mercadologicamente falando, viável. A gente tem muito orgulho disso, mas quando nascemos não… Estava mais ou menos como hoje. Só que, agora, esse hiato está sendo mais duradouro. Mas é aqui no Brasil e no mundo todo, né?

DISCOGRAFIA – Como você compara a formação e o trabalho em grupo do Skank de hoje com o Skank de 1992, lançando um disco de estreia? Foi difícil administrar os desejos e talentos de um de vocês nesses 30 anos?
Samuel –
Muito difícil comparar a banda em dois momentos, 1992 e agora. Mas eu acho que a essência da nossa junção foi conservada. A gente se uniu por motivos muito pessoais, afinidades pessoais, musicais e essas afinidades permanecem. Então, por mais que as cabeças tenham mudado, o Skank conseguiu conservar alguma coisa do que tinha aquele Skank de 1992. A vontade de aprimorar, a vontade de fazer bons discos, o prazer que a banda tem de subir ao palco, tocar ao vivo, isso tudo foi mantido. E não foi muito difícil manter por que as coisas foram dando certo, né? Então, foi mais tranquilo manter. Imagino pra bandas que não tiveram essa sorte do Skank, é muito mais difícil você manter a formação original, o mesmo grupo por tanto tempo. Algumas coisas a gente conservou, outras mudaram muito

DISCOGRAFIA – Quando o Skank surgiu no cenário nacional, surgiram outras bandas mineiras, com destaque para Jota Quest, Tianastácia e Pato Fu. E uma curiosidade é que são artistas que permaneceram sediados em Minas, mesmo tocando no Brasil e no mundo. Como anda essa cena mineira hoje?
Samuel –
É, eu acho que, quando o Skank surgiu ali em 1992, a gente acabou chamando atenção. Isso é natural, né? Como foram as primeiras bandas de Brasília. A gente acabou chamando atenção pra cena belo-horizontina daquela época. Existia uma amizade e existe ainda entre essas bandas. Mas eu acho que o primeiro momento ali do Skank tendo sido tão favorável, era natural que as pessoas começassem a olhar pra BH de um outro jeito. Foi o que aconteceu e daí saíram Pato Fu, o Jota (Quest) e o Tianastácia depois. E BH sempre foi um celeiro, uma cidade com uma tradição musical muito forte. Até mesmo antes do Clube da Esquina, que é um dos principais movimentos da música brasileira. Minas Gerais é um estado muito musical. Sempre teve ali figurando com artistas importantes no cenário brasileiro. E continua assim. Hoje a cena é muito interessante, muita gente legal. Inclusive tem o Daparte, que é a banda do meu filho, do Juliano, faz um som muito legal. Estão indo pro segundo álbum. E tem outras coisas boas acontecendo em BH. Uma cena promissora, que está sempre se renovando, sempre surgindo banda nova. A tradição musical da cidade é muito forte.

DISCOGRAFIA – O Skank tem uma história de reinvenções musicais bem corajosas. Começaram fortemente ligados ao reggae e, tempos depois, abraçaram o rock inglês, o pop e vários outros estilos com muita propriedade. Como você avalia esse trabalho em conjunto da banda em quase 30 anos de história fonográfica?
Samuel –
Realmente, o Skank não fez cerimônia pra meter a mão em fórmulas consagradas, fórmulas de grande sucesso. Que ali, marca registrada do Calango, do Samba Poconé (1996), e a gente deu uma guinada, mudou o som, arriscamos e eu acho que foram exatamente por esses riscos que contribuíram para que a banda ficasse longeva. Pra que a banda existisse aí relevante, após tanto tempo de estrada. E isso com a contribuição e o empenho de cada um dos integrantes. Isso é uma marca registrada do Skank que se manteve ao longo desse período.

DISCOGRAFIA – Ao longo desses 30 anos, vocês passaram pelas mais diversas situações, desde a perda do Tom Capone a uma turnê com o Jorge Benjor. Queria que você elencasse três momentos que você considera como fundamentais, mais marcantes, nesses anos de Skank. Uma seleção bem pessoal mesmo.
Samuel –
Eu acho que a banda é o que é hoje por ter aglutinado, por ter acumulado grandes momentos. É o que eu falo muito pra quem está começando agora. Nunca uma coisa, uma ação, um grande show, uma grande música vai resolver a história de uma banda não. Você precisa acumular, precisa ter um patrimônio, um legado de boas apresentações, de convicção, de bons discos, boas atuações. Isso é que, no final, lá, redunda numa carreira sólida. Então é difícil enumerar. Eu poderia falar dos grandes shows. Do primeiro Hollywood Rock que a gente fez, em 1994, no verão, quando o Skank era praticamente anônimo. Tava passando o disco independente pro disco na gravadora, pra Sony Music. Foi um grande show. Depois os discos: o Calango (1994), que é um disco que acumulou hits como poucos discos do pop rock brasileiro e a venda também. Está entre os cinco discos de pop rock que mais venderam na história, ele e o Samba Poconé (1996), que veio na sequencia. São vários feitos, né? A gente conseguiu acumular grandes ações. O Samba Poconé foi a tentativa do mercado estrangeiro, com a participação do Manu Chao. Garota Nacional, foi um hit em vários países. Depois a guinada de som, o Maquinarama (2000). Cosmotron (2003), considerado por muitos, conceitualmente, um dos melhores discos. E recentemente as apresentações, nessa última década, no Rock In Rio, que foram muito convincentes, bonitas. É um tantão de coisa, não dá pra enumerar duas ou três. Eu estaria sendo um pouco leviano e teria que deixar de fora muita coisa importante que aconteceu com a banda. As grandes parcerias que fizemos, enfim… Uma porção de coisa.

DISCOGRAFIA – Em 1992, o Brasil vivia um período político complicado, com o impeachment do Collor e caras pintadas nas ruas. Agora, 2019, outras situações tomam o Brasil, com a volta da direita ao poder, discursos homofóbicos, perseguições a artistas, etc. Como você tem visto essas transformações do País? O que melhorou e o que regrediu?
Samuel –
Politicamente, o Brasil está pior do que em 1992. Eu fico muito apreensivo com a situação que a gente encara hoje. É um retrocesso retumbante, né? A gente não imaginava. Nunca passou pela minha cabeça, depois de tantas experiências, tantos livros, filmes. Depois da ditadura, o povo brasileiro teve que reaprender uma consciência política. Uma retomada. Então, em 1984, a ditadura acabou. De lá pra cá, eu imaginava que novas gerações tivessem feito avanços a ponto de rejeitar qualquer governo que tenha as premissas que tem esse governo desastroso que a gente tem agora. Eu fico profundamente triste e continuo muito apreensivo. As coisas que vêm acontecendo no Brasil, como diria a música que tá lá no Cosmotron (Os Ofendidos), não me assustam, mas me ofendem. A mim e a muitos, a mim e a tantos outros. É muito triste por que eu imaginava que o Brasil estivesse em outro patamar de consciência política. Mas, não, como a gente tem visto muita gente falando que descobre um vizinho, uma pessoa, uma família que pensa politicamente muito diferente. Politicamente e de forma até humana, existencial. Daí tantos conflitos. Esse novo governo permitiu que muita gente saísse do armário e a gente viu o quão conservador, o quão rasteiro é ainda pra muitos focos de uma consciência política atrasada no País. E outros países também, né? É assustador esse avanço da direita. Então me deixa muito preocupado. Tem horas que me passa pela cabeça que não andamos.

DISCOGRAFIA – Quais os seus planos para depois da turnê de despedida? O que você já tem acertado para esse momento pós-banda?
Samuel –
Eu ainda não tenho planos concretos pra quando o Skank parar, mas tenho muitas vontades. Espero poder realiza-las. Vamos ver. Mas, por hora, não dá pra adiantar nada por que eu não tenho nada de concreto e o que eu estou buscando é isso aí mesmo. É falta completa de controle. Quero me jogar ao novo. Vamos ver. Quero experimentar. Acho que vai ser isso. Mas, por hora, não tem nada certo não.

DISCOGRAFIA – Certamente muitos fãs aqui de Fortaleza (e do Brasil todo, claro) estão tristes com essa despedida. Que mensagem você quer deixar pra eles?
Samuel –
Claro que deixa um pouco de tristeza em todos nós. Mas o que eu quero dizer pras pessoas é que o Skank, por mais paradoxal que isso possa parecer, para para que a banda se perpetue. A gente não quer cair na mesmice, fazer um trabalho extremamente mecânico, frio. É uma tradição da banda, uma marca da banda se reinventar, a ousadia, a experimentação. Eu acho que a melhor experimentação que a gente tem agora a fazer é individualmente. E isso com certeza vai contribuir pra longevidade. Tenho certeza de que o Skank, num futuro aí, vai retomar e a gente vai se reencontrar com os fãs. Enquanto isso, ninguém precisa ficar triste por que vai ter trabalho meu solo, vai ter do Lelo, do Henrique, do Haroldo, com certeza. Estou esperando ansiosamente pelo público de Fortaleza. Aliás, o público cearense, nos últimos tempos, tem sido o melhor ou um dos melhores públicos que o Skank tem encarado aí pelo Brasil afora.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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