No dia 24 de setembro, Caio Castelo lançou nas plataformas digitais seu novo single, Parcial. “A canção traz uma mensagem de esperança ao buscar força interior para enfrentar e até mudar a realidade”, diz o músico sobre a novidade que também apresenta sua nova banda: Caio Castelo no piano, Caio Castelo na bateria eletrônica e vocais, Caio Castelo no violão e guitarra, e Caio Castelo no baixo. Com alguma adaptação, a piada também é dele.

Um dos nomes mais atuantes da cena cearense atual, Caio canta, toca, compõe, produz e agora ainda filma e edita os próprios clipes. Nem tudo isso deve-se à pandemia e ao isolamento, mas ambos serviram como incentivos para tantas atuações. E Parcial fala sobre essa intercessão entre o caos e a solução, esse intervalo de esperança que não podemos perder. “Pede uma parcial e sai mais cedo sem se despedir, pra quando essa dor chegar não te encontrar e nem te perseguir”, sugere ele sem querer fugir das realidades. Com a mesma mansidão e segurança com que cantou sua Parcial, Caio responde algumas perguntas para o DISCOGRAFIA. Confira.

DISCOGRAFIA – São sete anos desde o seu primeiro disco até esse novo trabalho. O que mudou no seu modo de compor nesse período?
Caio Castelo – Teve várias fases, várias concepções, várias influências. No que concerne a meu trabalho solo, minha forma de compor dialoga diretamente com a instrumentação que estou usando mais naquele momento e a situação em que essa nova leva de músicas vai ser gravada. Gravei meu primeiro álbum (Silêncio em Movimento, 2013) em estúdio e com várias colaborações diferentes; o segundo (Dois Olhos, 2016) em imersão numa fazenda com a banda fixa que me acompanhava; o terceiro (Pontes de Vidro, 2018) em casa; e o quarto (ir reconhecível, 2020) numa pandemia. Os caminhos das composições vão se cruzando com os caminhos práticos do dia a dia de cada época e de como estou me enxergando enquanto intérprete.

DISCOGRAFIA – Seu novo single fala de um momento que se equilibra entre o previsível e o caótico. Queria que você contasse como e quando nasceu Parcial.
Caio Castelo – Apesar de parecer, ela não foi composta durante e nem sobre a quarentena. Lembro que cheguei a tocar ela aglomerado e desmascarado com minha banda num pequeno estúdio fechado, quando ninguém imaginava o que estava por vir. Porém, acredito muito que muito do que a gente cria, sonha e imagina tá sempre antecipando de alguma forma aquilo que vai acontecer a partir daquilo outro que sempre esteve ali. Sem tom profético nem nada disso, mas a intuição agindo de acordo com o que lhe atravessa. Parcial vem dessa ideia de que existem tensões expondo nossas vulnerabilidades por todos os lados e o tempo todo. A cada camada que perdemos e que ganhamos, mais nos transformamos. E essas camadas podem ser desde máscaras sociais até aquilo ou aqueles que mais amamos. O que somos é como estamos, e como estamos dentro afeta o que há fora. E vice-versa, claro.

DISCOGRAFIA – Impossível não conectar os versos de Parcial com o período de quarentena. Pra ti, como foi esse tempo de reclusão, sem palcos e com medo da proximidade com as pessoas?
Caio Castelo – Tem sido estranho, pra dizer o mínimo. Sem a convivência devidamente próxima com o público e com outros artistas, sinto que perco muito da troca que ajuda as ideias a fluírem. Nesse momento, aos poucos, a gente vem se reencontrando pra gravar ou transmitir algo aqui e ali, e essas ocasiões têm sido respiros importantes, mas ainda muito ínfimos diante do que a sabemos que é o ideal. Num mundo em que as pessoas já vinham num processo de se distanciar de diversas e complexas maneiras, mais que antes estamos aqui só parcialmente agora. Um lado dormindo e outro dormente.

DISCOGRAFIA – Parcial é o segundo single de um quarto trabalho seu intitulado “ir reconhecível”. O que você pode contar desse novo disco? Sobre o que ele fala? O que esse nome “ir reconhecível” fala sobre o álbum?
Caio Castelo – Ele é uma forma de me fazer presente. E com um single sendo lançado a cada um mês ou dois, de também ir renovando essa presença e sentindo as transformações que acontecem sim entre o processo de uma música e o de outra. Ao mesmo tempo que tenho manos pretensão de unidade que em trabalhos anteriores, sinto mais confiança da identidade sonora que se constrói a partir do fato de que essas faixas compartilham uma mesma origem e se continuam. São canções que vinha compondo também de forma independente, até perceber, antes mesmo de lançar meu EP anterior, que já tinha um álbum todo composto. A atmosfera dele vem sendo muito focada numa sonoridade entre o folk, lofi, e ritmos brasileiros.

DISCOGRAFIA – Como foi a experiência de compor, tocar, cantar e filmar tudo sozinho no novo clipe?
Caio Castelo – Acho que isso de bater o escanteio e correr pra cabecear é algo que muita gente da cena independente já vem experimentando desde antes da pandemia. Se por um lado é desgastaste assumir tanta função, por outro é interessante ver até onde a criatividade vai dentro dessas limitações. Pessoalmente, meus maiores desafios foram tocar bateria, filmar e editar o clipe. E foi massa porque foi uma escolha. São características que dialogam não só com o momento quanto com a mensagem e a obra em si. Claro que quando existem meios e possibilidades pra colaboração a coisa fica bem mais rica. Essa coisa de fazer tudo só, inclusive, é algo de que tenho procurado fugir nesse álbum, pois ele é mais sobre fazer contato que sobre se retrair. Em cada faixa, colaboro com pelo menos mais uma pessoa. Em Parcial, foi com a Clari, que fez a capa do single.

DISCOGRAFIA – Antes de Parcial, o primeiro single de “ir reconhecível” foi a releitura de Berro. Queria que você falasse dessa canção, por que ela foi escolhida pro novo trabalho.
Caio Castelo – Eu já vinha tocando essa música na banda da Clau Aniz fazia um tempo e sempre gostei de como ela soava na minha voz. É a primeira vez que lanço uma música cantada por mim e composta por outra pessoa. Deixei ela bem diferente, criando um riff de violão novo, várias camadas de percussões e é a partir desse lugar que venho desenvolvendo a sonoridade do resto do álbum. Dá pra sentir ecos disso já em Parcial.

DISCOGRAFIA – Das suas primeiras experiências até hoje, o que mudou no mercado da música cearense?
Caio Castelo – Sempre que a gente adquire um mínimo de experiência seja no que for, uma das observações mais nítidas é de que as coisas têm ciclos. É o museu de grandes novidades do Cazuza. Nesses modestos menos de 10 anos de carreira, a gente viu tecnologias serem inventadas e reinventadas, artistas se destacando, sumindo e algumas poucas vezes se consolidando, políticas públicas ajudando e atrapalhando, entre tantas outras coisas. O que não muda é o que a música faz com as pessoas, estejam elas no palco ou fora dele. Hoje, agora, só se pode falar no mercado da música cearense no passado ou no futuro. E sobre o futuro, só incertezas diante de tantos espaços fechados, músicos e técnicos precisando encontrar outras formas de sustento, etc. Só espero que essa seja uma oportunidade pra que os artistas possam se unir de várias formas e se colocar de forma contundente e com substância diante dos assuntos.

DISCOGRAFIA – Além do próprio trabalho de compositor e cantor, você tem atuado como produtor e dono de estúdio. Como tem sido essa experiência?
Caio Castelo – Desde 2018 venho colaborando em diversos trabalhos não só com meu som, mas também com meu espaço. E obviamente tem sido uma experiência intensa de troca com tantos artistas e trabalhos diferentes, que passam a me influenciar diretamente no meu próprio trabalho também.

DISCOGRAFIA – O que você tem ouvido ultimamente? Que artistas têm te chamado atenção?
Caio Castelo – St. Vincent, Conner Youngblood, Moses Sumney, Cícero, Luedji Luna, Clau Aniz, Igor Caracas, Barro, Josyara, Badbadnotgood, Beirut, Lianne La Havas, Rodrigo Amarante, Lorena Nunes, Ilya, Paul Simon…

DISCOGRAFIA – Além da música, que outras atividades te ajudaram a passar esses dias de isolamento?
Caio Castelo – Tenho lido mais que o usual, pesquisado sobre processos criativos, escrito com mais frequência e semana passada comecei a anotar meus sonhos assim que acordo.

DISCOGRAFIA – Seus dois primeiros discos foram lançados em streaming e CD. O terceiro foi dividido em três EPs (virtuais). E esse novo está sendo feito com um single por mês. Como foi cada uma dessas experiências e que planos/vontades você tem para o “ir reconhecível” quando chegar ao 12o single?
Caio Castelo – Acho que cada uma dessas experiências tem sido compatível com o momento em que aconteceu. Sobre o ir reconhecível, a ideia é ir fazendo uma correção de curso a cada single lançado. Sem shows, lançar uma música e transpor a mensagem dela em clipe, texto, relato de processo ou o que for é uma forma de manter essa ponte firme de forma contínua e saudável. Cada vez mais penso em como minhas músicas podem hackear ou serem hackeadas por outras linguagens. ir reconhecível provavelmente ainda vá radicalizar um pouco nesse sentido mais à frente.

DISCOGRAFIA – Com o mundo tão polarizado e ameaças à democracia, qual o papel da sua arte?
Caio Castelo – Algumas das principais raízes de tanta polarização são falta de empatia, desinformação massiva e falta de contato com as próprias emoções. É justamente isso que a arte, assim como a educação e a comunicação, combatem. Hoje temos o governo federal mais irresponsável possível em meio a uma crise de saúde e com uma crise climática se aproximando a galope, com comportamentos violentos, autoritários e até criminosos sendo respaldados o tempo todo por esses mesmos representantes. Representantes estes que entendem livros e universidade como destinados às elites, que atacam a imprensa constantemente com dados que simplesmente não existem e que também em reiteradas vezes buscam censurar e esvaziar as manifestações artísticas. Se a gente incomoda tanto, nosso papel deve ser bem importante, né?

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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