Gal Costa realiza live para celebrar os 75 anos

No último dia 26 de setembro de 2020, Gal Costa completou seus 75 anos de vida. Reconhecida há mais de cinco décadas como uma das vozes mais importantes do Brasil (e que ajudou a projetar o Brasil para o mundo), a baiana celebrou a data com uma live (a primeira e única, até agora) em que enfileirou muitos sucessos cercada por uma banda de baixo, bateria e guitarra. Não fosse as regras impostas pela pandemia, teríamos mais dessa mulher que desafiou parâmetros, se firmou como uma potência da cultura nacional e que segue como referência para jovens vozes que querem fazer carreira combinando o clássico e o moderno da MPB.

 

E essa é a senha para compreender o que faz de Gal Costa a Gal Costa: o olhar para o novo e o respeito ao que é atemporal. No clássico Gal Fa-Tal, por exemplo, que este ano completa 50 anos, ela bota no mesmo balaio os Novos Baianos, Jards Macalé, Ismael Silva, Janis Joplin e o então estreante Luiz Melodia. Logo não é nenhuma surpresa que ela resolva celebrar seus 75 anos ao lado de uma nova geração de artistas.

 

Batizado como Nenhuma dor, o álbum reúne canções do repertório de Gal recriadas ao lado de uma turma que vem valorizando o que há de melhor na MPB. Nem todos são brasileiros, mas até os que não são têm muita intimidade com o que se produz aqui. É o caso do português António Zambujo, que já gravou um tributo a Chico Buarque e recria Pois é, parceria de Chico e Tom Jobim, ao lado de Gal somente com violinos , cellos e violas.

 

Se houver um esforço pra fugir de comparações com as gravações originais, é possível encontrar muitas belezas em Nenhuma dor que mais surpreende pelo recorte enxuto (apenas 10 faixas) do que pela seleção de convidados. Sim, por que há uma certa “margem de segurança” na lista de convidados: todos têm alguma ligação com a história da musa baiana. Por exemplo, o rapper Criolo, que participa em Paula e Bebeto, primeira parceria de Milton Nascimento e Caetano Veloso. Foi Milton quem apresentou o paulistano para Gal e ela gravou a primeira parceria deles, 10 anjos, no disco Estratosférica. Com arranjo que remete ao original, o encontro de Gal e Criolo valoriza os versos que anunciam que “qualquer maneira de amor vale um canto”.

Outras marcas do projeto foram a opção exclusiva por vozes masculinas e a predominância de canções mais lentas e melancólicas, como Nenhuma dor, dividida com Zeca Veloso. Filho de Caetano que chamou atenção com os vocais agudos de “Todo homem”, repete o tom ao refazer essa triste canção do seu pai, lançada no disco Domingo (1967). Do mesmo disco e do mesmo compositor, Avarandado virou um afoxé com a presença de Rodrigo Amarante, em arranjo solar puxado violão, baixo e detalhes de cordas.

 

Na busca por uma nova identidade, Baby e Juventude transviada são as mais surpreendentes. A primeira ganhou voz, violão e arranjo de Tim Bernardes, que adotou o mesmo clima sinfônico do seu impecável disco Recomeçar. Tim, além de estar entre os compositores do disco A pele do futuro, já dedicou um programa de TV ao repertório de Gal. A segunda começa com um grave incômodo de Seu Jorge intensificando a melancolia desta composição de Luiz Melodia. Em seguida, Gal chega pra aliviar a tensão e a versão vai ganhando um tom agridoce. Também vale nota o dueto com Jorge Drexler em Negro amor, que perde o clima hippie, mas preserva a beleza com um lindo arranjo de cordas.

Gravado durante a pandemia, Nenhuma dor passou por estúdios no Rio de Janeiro, São Paulo, Lisboa, Madri, Los Angeles e Vitória. Desde dezembro, ele vinha sendo apresentado em singles duplos lançados nas plataformas digitais. A direção artística do disco mais uma vez fica a cargo de Marcus Preto, responsável pelos recentes Estratosférica (2015) e A pele do futuro (2018). Completam o time de convidados o capixaba Silva (Só Louco), o vocalista da banda Dônica, Zé Ibarra (Meu bem, meu mal), e Rubel (Coração vagabundo). Este último foi até duplamente contemplado por que chegou a fazer uma temporada com Gal e lançou um single ao vivo, em 2020, cantando com ela Baby. Este single, inclusive, seduz pela espontaneidade e intimidade deles, com Gal encerrando a faixa chamando seu convidado de “gatinho”. De diferentes formas, Gal usa essa mesma espontaneidade no seu novo disco, previsto para ser lançado em CD e LP – pela Biscoito Fino – neste mês. E, voltando às comparações, aquele cristal dos agudos da cantora de Meu nome é Gal ou Nada mais ganhou um tom opaco, com uma leve rouquidão. Mas isso não lhe tirou a força e a certeza do valor que tem essa voz.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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