Foto: Candé Salles

Já se vão quase 10 anos desde que Marina Lima lançou Maneira de ser, sua primeira experiência na literatura que se lê em livros. Sim, por que ao longo de 42 anos de carreira, mesmo dividida com muitos letristas, ela escreveu bastante sobre si em tantas canções. Assim como aquele livro de 2011, essas canções carregam muito de autobiográfico. Os encontros, as despedidas, o auge, o isolamento, tantas mudanças e o que ficou de permanente, tudo ficou registrado em 175 canções gravadas em 21 discos.

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Os passos que levaram a esses números não foram dados por acaso, ainda assim ela se assustou quando os viu. “Em 2018, olhando as minhas coisas, eu percebi que tinha 21 discos. Tomei um susto. Como eu não sou de ficar olhando muito para trás, muito apegada ao que eu fiz, por que eu sempre acho que tenho mais coisa a fazer, quando vi, eu tinha 21 discos, quarenta e poucos anos de carreira. De idade, 65”, afirma sem esconder o orgulho que a fez reunir essa história em um novo livro.

Marina Lima – Letra e música é um songbook que reúne todas as canções registradas na carreira discográfica desta carioca que reside em São Paulo há 11 anos. “Gente, eu sou mulher e as mulheres já não têm muito a obra deixada ali certinha, entendeu? O Renato Russo sempre me dizia isso, que a gente sofria disso. Das mulheres não terem o lugar merecido na história por que ou ninguém escrevia sobre, ou ninguém documentava. Então eu falei assim: ‘eu tenho 21 discos, eu sou autora. O segredo da minha obra toda está nos discos. Se alguém quer conhecer a minha carreira, fora ver show, ouve os 21 discos. Tá tudo ali”.

Foi aí que ela convidou o músico Giovanni Bizzotto – que ela conheceu quando estudava na Centro Musical Antonio Adolfo – pra escrever as partituras de todas as músicas gravadas em seus 21 discos. O livro, disponibilizado em PDF gratuitamente no site oficial de Marina, remete à época em que ela morou em Washington, ainda criança. “Eu morava fora do Brasil, num lugar que pra mim era esquisitíssimo. Pra mim era o Alasca, por que era um frio! E aí, os meus pais espertamente me deram um violão, e aquilo ficou sendo calor, o sol, tudo na minha vida. Os primeiros songbooks que eu procurei, quando eu tinha 6 ou 7 anos, foram os dos Beatles, por que era quem eu admirava. Depois deles, eram os songbooks da música negra americana”, conta ela detalhando um percurso musical que, depois, chegou a bossa nova.

Junto com o novo livro, Marina apresenta Motim, um EP com quatro faixas inéditas produzidas durante o período de pandemia. Dividido em duas faixas mais acústicas e duas mais eletrônicas, o lançamento marca a estreia da compositora nesse formato econômico e exclusivamente digital. “Quando eu lanço um EP não é por que eu só tinha quatro músicas. Eu tinha composto um monte de música, mas eu achei que mais do que quatro era muito nesse momento. Um disco é um romance, aqui são quatro contos”, explica ela que dividiu a produção com Alex Fonseca.

Motim sintetiza algumas marcas da obra de Marina, incluindo o apego pelo violão, as canções românticas, o canto sussurrado e tom autobiográfico. Pelos apogeus, por exemplo, é um resgate da memória que fala sobre anos de loucura, derrapadas na meia idade e agradece pelos apogeus. “Tomara que meus fãs gostem por que ela não tem um excesso, ela é bem o que eu busco e tento ser. Se eu tiver que falar de mim, autobiograficamente, é dessa maneira”, resume.

A faixa-título remete ao clima de Setembro, álbum de 2001, e fala sobre os desencontros de um relacionamento dissonante. Já Kilimanjaro, parceria com Alvin L e Alex Fonseca, tem uma história curiosa. “Eu tinha feito uma música com o Alvin e o Alex tinha me mandado uma outra música, que eu achei linda. Como eu vi que tinha tanta coisa pra fazer que eu não iria dar conta, mandei pro Alvin, aí ele terminou a nossa, a do Alex e me mandou. Eu fiquei louca pelas duas e incumbi o Alex de juntar as duas. Eu jamais fazia uma música dessas sozinha”, apontando esta como a preferida do momento.

Motim encerra com Nóis, composição angustiante que cita a onda de horror, o vírus matador, o “homenzinho do norte” que caiu e “essezinho daqui vai ruir”.  A faixa conta com discretos vocais de Mano Brown. “Ele veio aqui em casa e eu mostrei a música. De microfone ligado, ele começou a fazer uns vocalizes, uns contracantos sobre aquilo que nem tinha letra. Parece o Milton Nascimento cantando no meu ouvido. Eu preparei a voz dele como uma dica e comecei a compor a melodia e a letra querendo conversar com aquela voz. Que queria falar com ele”, explica Marina que segue criando projetos, buscando novidades e olhando pra frente. Mas isso não a impede de se orgulhar do pra trás. “Eu sei que esses 21 discos valem muito, por que nada foi feito em vão. São muito musicais e contam uma história de vida, de uma artista”, encerra.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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