Co-fundador do grupo curitibano Bonde do Rolê, que deu projeção ao Dj e produtor de 37 anos, Rodrigo Gorky já produziu Banda Uó, Luiza Possi, Alice Caymmi e atualmente trabalha no próximo álbum do cearense Daniel Peixoto. Nos últimos três anos, montou os projetos de música eletrônica Fatnotronic e Duo Brabo. Além de produtor, Gorky é empresário da drag queen Pabllo Vittar, que tem roubado a cena pop após o lançamento do álbum Vai Passar Mal (2017).

Em entrevista ao Blog Repórter Entre Linhas, o compositor fala sobre a relação entre o fim do Bonde do Rolê e o Movimento Brasil Livre (MBL), a indústria musical na era do streaming, a discussão de direitos autorais com o rapper Rico Dalasam e o fenômeno Pabllo Vittar. Gorky esteve em Fortaleza para a tutoria do “Iracema Som Sistema”, próximo álbum de Daniel Peixoto, no Laboratório de Música 2017, do Porto Iracema das Artes.

Gorky produz o novo álbum do cearense Daniel Peixoto, “Iracema Som Sistema”, no Laboratório de Música do Porto Iracema (Foto: Tatiana Fortes)

Você está tocando vários projetos, mas o Bonde do Rolê está parado.
Gorky: O Bonde do Rolê acabou, né? Por um milhão de coisas. Eu não tenho mais idade pra fazer o Bonde. Nem os meninos. E cada um tá com outros interesses que não vão de encontro à banda.

Essa decisão tem a ver com o trabalho do Pedro D’Eyrot (um dos fundadores da banda) com o Movimento Brasil Livre (MBL)?
Gorky: (Hesitando) Não muito. Um pouquinho, sim, e não. Eu não sei explicar. Ele perguntou pra gente antes se tava tudo bem em se assumir líder do MBL, e claro que tava tudo bem, a gente já não tava fazendo mais nada. Mas eu não continuaria com a banda hoje em dia por conta disso. É um discurso que é muito distante, são mãos diferentes.

Você está produzindo o próximo disco do Daniel Peixoto, “Iracema Som Sistema”. Como está sendo esse processo?
Gorky: Conheço o Dani já há mais de 10 anos e a gente sempre ficou nessa de fazer alguma coisa e eu sempre muito ocupado. Aí uma vez um amigo meu me falou que você sempre tem que pedir as coisas para as pessoas mais ocupadas porque essas são as pessoas que vão entregar. Se for esperar pra ter tempo, você não vai ter tempo, você não vai fazer. Lógico que não dá para abraçar o mundo. Mas vamos fazer? Vamos fazer! Eu tinha acabado de terminar o disco da Pabllo em setembro e o Dani veio, sei lá, em abril. Eu tava tranqüilo, organizando o disco de remixes da Pabllo. Vamos encaixar, apertar, dormir cinco horas por dia? Vambora.

https://blogs.opovo.com.br/reporterentrelinhas/daniel-peixoto-trabalha-com-gorky-produtor-de-pabllo-vittar-em-novo-album/

E como tá sendo a rotina de vocês?
Gorky: Tá bem tranquilo porque o meu processo de trabalho é até uma coisa que estranha um pouco o Daniel. Ele vem daquela coisa de sentar todo mundo junto e criar. Só que como eu estou viajando e fazendo um monte de coisa, tudo ao mesmo tempo, as ideias vêm 3 horas da manhã no quarto do hotel. Então eu vou lá e faço, fica registrado. É muito mais fácil pedir também pros meninos tentarem entrar nessa onda comigo ao invés da gente sentar e ficar gastando tempo tentando achar a coisa certa. Vamos vir com as ideias mais prontas possíveis. Nós temos 30 músicas pro Dani, a gente vai escolhendo. Eles me mostraram um monte de coisa também, eu falei: “Isso aqui dá pra mexer, isso aqui dá pra ficar muito legal”. Juntando tudo a gente tá com o disco já. Agora, a gente faz o lado contrário, como se fosse um quebra-cabeça que a gente vai montando. O pensamento do disco é um pouco ultrapassado já. Conversei isso com o Dani logo de primeira. O disco ainda é importante, mas não da maneira como era há 20 anos.

(Foto: Tatiana Fortes)

E o que isso significa para o realizador?
Gorky: Por um lado é mais fácil, por outro é muito mais chato porque a gente não sabe pra onde vai. As pessoas ficam lançando single, single, single. Mas e cadê o disco? E daí quando lança o disco vem um “quero ouvir coisa nova”, depois de três meses. As pessoas não sabem muito bem o que querem. Acho que tá todo mundo ainda meio no escuro, tateando, vendo o que e como vai ser daqui pra frente. Eu tenho gostado muito dessas coisas de ter lançamentos menores, sabe? De você fechar um conceito, alguma coisa em cinco, seis músicas, tá lindo. Não é bem um EP porque EP tem quatro músicas. Não é bem um disco porque é menor. Se for pegar o primeiro disco do Bonde, ele tem 27, 29 minutos. É isso, você passa sua mensagem do jeito mais rápido possível porque hoje em dia as pessoas não têm tempo pra sentar e escutar um disco. Você ouve 30 segundos, se pegou, pegou. Se não pegou passa pra próxima, para o próximo disco. Eu me pego fazendo isso. Por isso até que tenho essa coisa com vinil, eu gosto muito de colecionar disco. Eu pego pra escutar, para prestar atenção. Hoje você pega o celular e tem uma biblioteca gigantesca de música que é muito mais descartável. É legal, mas ao mesmo tempo é uma maldição. A Pabllo ouvindo Spotify, por exemplo, é muito diferente do jeito que eu escuto essas plataformas. Com a Pabllo é muito de imediato. Se gostou, vai ouvir um milhão de vezes. Se não gostou, fica pra próxima, entendeu? É um pouco cruel você não dar chance para a música, mas é isso que anda acontecendo hoje em dia.

Você está com a Pabllo Vittar desde o começo. Além de produzir, é empresário dela. Como começou a relação de vocês?
Gorky: Instagram. Conheci no Instagram por intermédio do Pedro (do Bonde do Rolê), que me mostrou na época. Aí eu falei, “puts, tem potencial”. Conheci pessoalmente, a gente gravou umas coisinhas, e foi, foi, foi, e estamos juntos até hoje. Lógico que tem muito trabalho aí.

Vocês imaginavam a proporção que o sucesso da Pabllo ia tomar?
Gorky: Não, e nem ela. Ninguém tinha. Conversei isso com ela saindo do Rock in Rio, na sexta-feira. Quando ela falou pra mim: “Gorky, você tinha noção do quão grande isso ia ficar?” E eu: “Não, e nem você!” Ninguém tinha. A gente tava trabalhando e as coisas estavam acontecendo, estavam chegando em um momento legal. A Pabllo era o artista certo, na hora certa, no lugar certo. Tem todo um trabalho por trás meu e da equipe toda que ajuda muito a fazer essa máquina toda girar. Desde o começo a Pabllo continua sendo a mesma pessoa, tendo os mesmo valores.

A que você atribui esse sucesso?
Gorky: Não tem como prever. Não é uma matemática, não é uma ciência exata. Mas eu atribuo a ser o artista certo, no lugar certo, na hora certa. Com as músicas certas.

E estamos vivendo um período diferente do que o Bonde começou.
Gorky: Nossa senhora! Imagina se os discos do fossem lançados Bonde hoje. Seriam extremamente censurados. As pessoas falariam muito, muito mal desde a primeira música. Pode ter certeza. E esse foi um dos grandes motivos da gente ter terminado também. Assim, nossa senhora, como o mundo está chato. Chato assim, lógico que existe muita coisa realmente que é falta de noção. Mas virou uma coisa tão micro que qualquer pessoa se ofende por qualquer coisa, então é muito difícil hoje em dia.

Nos últimos meses a música “Todo Dia” foi retirada das plataformas digitais devido a questões de direitos autorais. Como está esse processo?
Gorky: Os advogados pediram pra eu não comentar mais sobre o assunto pra não dar mais pano pra manga. Adoro o trabalho do Rico, acho ele talentosíssimo. E espero que tudo se resolva do jeito mais tranquilo possível. A gente sempre foi super aberto e honesto com tudo. Só que… É, não vou falar o só que. Mas talvez, por uma falta de conhecimento dele, por achismos, ele decidiu fazer esse escarcéu todo, desnecessário, mas cada um é cada um, e cada um tem direito de fazer o que quiser. Ele escolheu um caminho que eu nunca teria feito, por exemplo. Eu sempre sou muito mais de tentar conversar, sentar e resolver as coisas do que partir para a briga, xingamentos. Falar que tive uma educação escravocrata, esse tipo de coisa, sabe? Ele fala que não tá atacando a Pabllo, mas me desculpa, está a atacando também. Mas tudo bem. Os advogados estão resolvendo isso. Espero que tudo se resolva da maneira mais legal pra todo mundo.

Como artistas, o que é ter uma música de vocês retiradas do ar?
Gorky: Para a Pabllo? Nada. O sucesso da Pabllo não vem de “Todo Dia”. Foi uma das coisas. “KO” é muito maior. “Corpo Sensual” já é maior que “Todo Dia”. “Sua Cara” já é maior, “Open Bar” já era maior. Então, assim, é triste, mas vida que segue.

Qual a importância de ter uma drag queen como um dos mais fortes nomes da música pop no País que mais mata LGBTs?
Gorky: É um soco na cara das pessoas que vêm com essas coisas de censura. As pessoas falam que tem que ter posicionamento político. Você quer posicionamento político maior do que ter uma drag parando o Rock in Rio por dois dias? Não tem, não tem. Isso é um puta statement. Acabou, sabe? Eu trabalho pra isso, sabe? Então assim, já tá lá. As pessoas vão buscar, vai aparecer de alguma maneira e eu quero ser a pessoa que vai trazer essa coisa. Não eu. A Pabllo está trazendo isso. E o discurso da Pabllo é muito bonito. É um discurso de aceitação, de amor, de todo mundo tem que ser tratado igual. Que é feio isso de um ser menor que o outro. Então, vamos todo mundo ter um pouquinho mais de tolerância e respeito. Esse é o grande discurso que a Pabllo tem que eu acho lindo e que está fazendo muito mais efeito do que ficar diminuindo no Facebook. Tenho um amigo que é diretamente ligado à história da exposição (Queermuseum), o Iran, ele tem uma casa de acolhimento LGBT de pessoas que foram expulsas de casa. Ele não é nenhuma ONG ainda. Ele não ganha recurso. Ele faz na raça com os amigos. Ele montou uma casa e aí 20, 30 pessoas passam lá. Era dele aquele tumblr “Criança Viada”, que daí rolou a exposição. E é um pouco triste de ver que o negócio saiu, mas resumindo é isso: tem gente que fala e gente que faz. Gente como o Iran, gente como a Pabllo, tá fazendo. Eu gostaria de ver muito mais gente fazendo e cobrando atitudes e ações dos outros. Vamos começar a fazer também. O Iran ta aí se matando. Pabllo está lá dando a cara pra bater e a gente tá lá trabalhando pra que essas barreiras sejam quebradas cada vez mais. Vamos fazer mais e ficar menos de mimimi. Odeio quando falam “mas eu não consigo”. Consegue. Existe sempre uma maneira de ajudar e agir.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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