“No meu lugar tenho força e a vida faz sentido”. Ouvi essa frase de uma conhecida do mundo holístico, quando falava sobre a caminhada espiritual. Lembrei-me das vezes em que senti a força interna brotando e as cores ao redor mais vibrantes. Eram momentos em que me percebia plena, realizando algo com sentido para mim. Devia estar com os pés no meu lugar, do qual falou a colega.

“Uma pessoa que encontrou seu lugar, ajuda outras que ainda estão tentando se encaixar a encontrarem. Dá segurança…”, explica o escritor Gustavo Tanaka. Devem ser justamente aquelas pessoas que nos inspiram com suas histórias, palavras, exemplos. Sabe quando há um brilho ao redor quando falam? Uma aura quase palpável? Elas aparecem e nosso cabelo do braço arrepia, dentro do peito cada palavra ressoa. As horas param enquanto o tal ser encaixado reluz como um norte em tempos sombrios.

“Se você não se sente realmente encaixado no seu lugar, você vai ser tomado pela inveja, vai querer o lugar do outro, vai sentir ciúmes e vai criar muitas guerras”, alerta o mestre espiritual Prem Baba. Mas afinal, que lugar é esse? Sobre o que estão falando ilustres e anônimos? Falam do espaço que é só nosso e ficará vazio até o ocuparmos. Avisam sobre aquele lugar que mais parece o sapato da Cinderela, feito sob medida para cada um de nós. E que, enquanto não habitado, o todo fica menor sem nossa participação genuína.

Penso que, para ocupar esse lugar, não podemos ir apenas com a roupa do corpo. Há que se levar a bagagem junto, com lenços e documentos, porque cada item guarda uma história a contar. Não surgimos do nada. Nossas cicatrizes revelam as batalhas pessoais, aqueles momentos em que pensamos que não íamos conseguir, nossos enganos. Doeu. Às vezes doeu muito. Há vezes em que procuramos esquecer. Mas vejo que, tão mais fundo enterramos essas feridas, tão mais longe estamos do nosso ser total, do nosso lugar.

Os mestres espirituais nos aconselham bravura. Dizem para abrirmos o peito e acolher nossa história, com tudo o que tem lá dentro. Um emaranhado de batalha e pó. Uma vida em alquimia, que está sempre evoluindo, embora não acreditemos. São enfáticos ao recomendar que não reneguemos o passado, mas honremos o ser que nos tornamos. Afinal, eu e você sabemos que houve um longo caminho para chegar até aqui. Nem sempre foi fácil.
Primeiro sobrevivemos aos nossos pais, e seguimos sobrevivendo aos outros e aos nossos próprios fantasmas. Porém, resgatar a força dessas lembranças, mesmo as doídas, faz nosso poder crescer. É o que sinto, é o que me dizem, é o que reparo.

O convite da amiga espiritual, de Gustavo Tanaka e do Prem Baba é o mesmo que eu me faço todos os dias. Como ajustar o binóculo para ver a abundância (onde imaginamos escassez)? Como ressignificar o peso das histórias, trazendo a sabedoria dos aprendizados?

É chegada a hora de sair da sobrevivência e ir além, porque queremos, porque merecemos mais. Sabe aquela bagagem recheada de histórias? Olhemos novamente. Entre calças e sapatos podem estar escondidas outras peças ali. São os talentos, os dons, as potencialidades. As vestes para uso sem moderação, que serão usadas no dia da posse. O dia de festa em que ocuparemos nosso verdadeiro lugar no mundo.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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