Por mais discreto que Belchior tenha tentado se tornar nos últimos anos de sua vida, o artista virou uma espécie de figura mítica na música brasileira.

Para além da obra que permanece atual, Antônio Carlos Belchior fez escolhas que desafiaram a imprensa e seu próprio percurso artístico ao assumir que a vida era, de fato, diferente. Que nada era divino.

O músico Oscar Arruda comenta que Belchior, assim como Fagner e outros nomes da música cearense da década de 1970, trazia influências do folk e do rock. Justamente por isso, ele considera difícil classificar a música de Bel em um estilo, a exemplo da Música Popular Brasileira.

“São canções muito bem elaboradas, questões existenciais, política, medo e solidão”, avalia. “Um homem com a vida tão interessante quanto a própria obra, que em dado momento exerce o direito de se retirar”. Para ele, o auto-exílio de Belchior foi tratado de forma “leviana e irresponsável”. “A mídia brasileira adora vender por um viés menor, o viés da fofoca. Ele foi tratado de forma irresponsável”, reclama.

Questões existenciais abordadas por Belchior bem lembram o lirismo do próprio Oscar Arruda. Em 2017, ele lançou o álbum Egomaquia. Nele, explora existencialismo, psicodelia, a luta consigo mesmo e um estado de constante busca. Temas que dizem respeito à música feita no Ceará nos anos 1970. Não a toa, foi influenciado diretamente pela poética de Belchior.

Faixa a faixa | Oscar Arruda comenta o álbum ‘Egomaquia’

Belchior se retirou de cena em 2008, mas ele já havia abandonado a carreira no ano anterior. A escolha do artista alimentou boatos sobre seu desaparecimento. O Fantástico chegou a noticiar dívidas, incluindo de dois veículos abandonados por ele em estacionamentos de São Paulo. Revistas brasileiras chegaram a noticiar, inclusive, que Bel começou a se afastar dos amigos após terminar o casamento de 35 anos com Ângela Margareth para ficar com Edna Assunção, que ele conheceu, em 2005, no ateliê do artista plástico cearense Aldemir Martins.

A Época noticiou que, contra Bel, pesavam dois mandados de prisão pelo não pagamento de pensões alimentícias e um processo de R$ 1 milhão perdido para um ex-secretário particular. Dentre as lendas, a de que ele teria se hospedado em casa de fãs e até já teria se abrigado em instituições de caridade no Rio Grande do Sul.

Oscar Arruda (Foto: Divulgação)

“Do ponto de vista de pessoas que gostavam dele, a gente percebeu um movimento de se contrapor a essa narrativa”, aponta Oscar Arruda. Em Fortaleza, ele indica o Cantinho do Frango, no bairro Aldeota, e o bloco de pré-Carnaval Os Belchior. “Penso que há um carinho, pela qualidade da obra dele, um artista nosso. A natural comoção da morte levou as pessoas a redescobrirem a força da canção dele. A poética dele e o lirismo se somam”.

“Qualquer manifestação dessa nova geração que valorize a obra do Belchior é importante”, continua. “A gente vive uma época em que existe moralismo de todos os lados, é preciso saber fazer a separação do que é obra e o que é vida. E isso é importante pra gente aprender a valorizar a nossa música, principalmente a outros personagens que ainda estão por aí”.

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Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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