Larissa Luz (Foto: Ilê David)

Dois anos depois do Território Conquistado, seu segundo álbum, Larissa Luz prepara novo trabalho autoral. O empoderamento negro continua como tema central, mas agora ela quer “passear por novos universos”, explorando as conexões entre ancestralidade e o moderno. Ainda sem nome, novo disco está previsto para outubro.

Ela falou ao Blog sobre o processo de gravação com o produtor Rafa Dias, as pesquisas que permeiam o disco novo e explicou a necessidade de abraçar o empoderamento negro, dentro e fora do palco. Larissa opinou ainda sobre a recente acusação de racismo de um youtuber Júlio Cocielo contra o jogador francês Mbappé, durante o Mundial do futebol.

Você está encerrando a turnê para focar no novo disco. Como está esse processo?

O disco tá sendo produzido por Rafa Dias, idealizador do ÀTTØØXXÁ. Demos uma parada agora por causa do musical (sobre Elza Soares), mas vamos lançar este ano ainda. É um disco com influências do trap, rap, coisas que estou pesquisando, e a mistura disso com os ritmos da Bahia. Vou passear por novos universos.

Que universos são esses?

Pra esse disco, coisas místicos e espiritualistas, discussões mais aceleradas. Vai ser um disco mais dançante, mais pulsante. Vou trazer outras problemáticas porque no Território Conquistado foquei mais no empoderamento negro. Continuo falando de cultura negra e ancestralidade, mas pontuando outras questões relacionadas a isso.

O que compõe essa pesquisa?

Eu tenho estudado o candomblé e como essas casas dialogam com os ritmos eletrônicos. Tô muito atenta às vozes negras que me remetem a ancestralidade, como Lazzo Matumbi, pra tentar entender essas conexões entre o ancestral e o contemporâneo.

Em que momento você percebeu a necessidade do empoderamento negro?

É uma coisa que tenho construído. Fui percebendo e formando dentro de mim essa coisa da autoafirmação e o entendimento enquanto mulher negra, a percepção da minha força e autonomia. O poder. É uma coisa que eu fui conquistando mesmo ao longo do tempo e dos processos artísticos, profissionais. A partir de leituras e tendo conhecimento de algumas figuras como Chimamanda Ngozi Adichie (escritora), que foram cruzando meu caminho e me mostrando que exista um mar de possibilidades e que a gente precisa mesmo se firmar nessas referências.

Você continua fiel nas suas motivações.

É o que me move, na real. Minha maior realização está diretamente relacionada a poder estar cultuando, levando de alguma maneira a cultura negra para as pessoas, um público que, no geral, tá sempre carente disso. A gente se abre pra uma nova possibilidade de existência porque a gente tem acompanhado diversos casos de racismo constante.

Acho que quanto mais a gente se aproxima desse mundo cultural, artístico, ancestral, negro, mais a gente consegue se fortalecer nesse sentido da luta contra essas coisas que vêm rolando. Fazer isso artisticamente é minha maior motivação porque me sinto útil. A arte é uma ferramente de extrema força. Continuar fazendo coisas ligadas a isso pra mim é vital, essencial. Não me vejo fazendo outra coisa.

Vi seu show no Rec-Beat Dragão e fui surpreendido pela sua performance. Como você trabalha isso de passar sua mensagem no palco?

Isso também é construção. Eu sempre estive dentro do universo do teatro, desde novinha. Apesar de ter feito coisas profissionais mais recentemente, desde muito nova descobri que queria cantar estudando teatro na escola. A coisa do palco, do corpo em cena, sempre me atraiu muito. Sempre quis usar isso nos meus shows. Venho desse mundo aí de usar os elementos cênicos, corporais e teatrais como um elemento que fortalece a minha mensagem. Não queria só cantar bonito. Queria que tivesse emoção, vida. Passei a pesquisar isso, de como traria esse estado no meu show. Acho que as pessoas me dão um bom feedback de que dá certo, que a mensagem chegou. É por isso que eu tô lá.

(Foto: David Campbell)

Falando em palco, como está sendo a experiência no musical sobre a Elza Soares?

Tá sendo uma experiência muito forte. Eu com certeza não vou sair a mesma. Primeiro porque a história da Elza é muito forte, sabe? O que ela passou, que ela sobreviveu, me faz refletir sobre tantas coisas atuais, inclusive. Cada vez que a gente acessa esse status, corpo, convivência com o canto, com a musica, a gente vai num lugar muito delicado, transformador mesmo.

Achar a Elza dentro de mim tá sendo muito transformador, impactante. Porque é uma força mesmo, a invocação de uma força que para mim é sobrenatural. Todo mundo tem que conhecer a história dela pra entender o que ela realmente é. A gente passa a vê-la de maneira mais intensa, com mais respeito ainda e mais reverência.

Você acompanhou o caso do youtuber Júlio Cocielo, que fez comentário de cunho racista com o jogador francês Mbappé? Como tem visto essa repercussão?

O que mais assusta é o fato dele (youtuber) ser um influenciador. Me preocupa ver que uma figura como essa está influenciando uma geração de jovens e que existem marcas que financiam pessoas assim, que não tenham percebido antes o pensamento e a postura.

As marcas têm uma grande responsabilidade e precisam estar atentas quando escolhem seu representante. Podem estar propagando um pensamento doente, que mata, fere e atinge diretamente a uma camada grande da população. E me assusta também ver comentários que são coniventes com essa monstruosidade. É tudo muito revelador e muito assustador, mas acho que faz parte do processo a gente reconhecer essas ações e ver isso acontecer.

Algo que não aconteceria há alguns anos.

Fico pensando que em qualquer outro tempo não seria assim. Percebi que hoje a gente tá mais atento em relação a isso. Quando a gente fala “não passarão”, é porque não passarão mesmo! Não estamos deixando o racismo correr naturalmente. Passaria tranquilamente anos atrás, mas hoje não passa mais. Essas pessoas precisam ser punidas pra isso começar a gerar algum tipo de transformação. Quando a gente expõe, as marcas começam a refletir a quem estão contratando, as pessoas percebem também e isso gera um movimento na direção do que a gente acredita que é real. A gente tá se entendendo ainda.

Você acredita que, justamente por alguns desses casos não passarem mais despercebidos, estamos vivendo um tempo de mais esperança? 

Acho que trilhamos um caminho. O povo preto tá conquistando isso. Quando a gente fala de empoderamento e território conquistado, é porque acho que alcançamos nosso processo de consciência, do nosso poder de assumir que não vamos mais se permitir estar em algumas situações. Apesar de achar que ainda tem muita gente que não acordou, existe um caminho percorrido. Estamos vivendo um grande momento, tanto é que a gente mobilizou um movimento contrário a esses atos.

As pessoas que têm esses pensamentos racistas estão preocupadas com a nossa tomada de força, nossa percepção, nosso entendimento. Quando o povo se levanta e entende o que tá passando, resolve assumir as rédeas. Assusta, né? Quem tá lá do outro lado e quer ser o detentor do poder absoluto e que fecha com a segregação, com o racismo. Estamos assustando essas pessoas. E é daqui pra mais, sabe? Não vamos recuar nenhum centímetro. Avante, pra cima, porque tá muito grave. Nosso povo tá morrendo. Estão exterminando o povo preto. Não é brincadeira.

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About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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