(Foto: Gustavo Portela)

Daniel Groove está pronto para o porvir. Levante, terceiro álbum solo do cearense, lançado em julho deste ano, fecha a trilogia composta por Giramundo (2013) e o elogiado Romance Pra Depois (2016) e abre horizonte para um novo ciclo criativo.

Levante foi produzido por Carlos Eduardo Miranda (1962-2018), um dos mais importantes produtores musicais do Brasil, responsável por lançar nomes como Raimundos, Skank e Mundo Livre S/A. Groove, aliás, produziu o recém-lançado Doces Náufragos, da cantora Ilya.

Em entrevista ao Blog, Groove relembra o período em que mergulhou no estúdio com Miranda e a importância de se desprender das raízes.

Podcast Fora da Ordem entrevista Daniel Groove

Levante

“É muito gratificante para um artista que vem de onde eu venho, da música alternativa, independente, ter uma certa longevidade e conseguir realizar o que pensa e transformar isso em produto. Conseguir resistir e sobreviver fazendo arte, ainda mais no momento que a gente vive, tá muito difícil. Tô muito alegre de conseguir chegar aqui. Levante fecha uma trilogia e até paquera com os outros dois álbuns em momentos diferentes. Me coloca numa situação de fechar um ciclo e abre um caminho novo que vamos seguir”.

Banda solo

“Esse disco gravamos todo ao vivo, com a banda inteira tocando junto. A gente monta a banda no estúdio e toca. Eu tenho duas bandas que trabalham comigo. No trabalho solo é impossível manter um grupo de quatro, cinco pessoas, porque quem toca comigo é muito requisitado. Fatalmente, há problema de agenda. Tenho um grupo de nove pessoas, mais ou menos, que trabalham comigo e se revesam”.

“A banda que gravou o disco me acompanha há oito anos. Estive em São Paulo nos últimos 11 anos, então é normal que eu tivesse minha banda lá. Mas quando o show é no Nordeste, tem o Beto Gibbs, Rian Batista – baixista de uma das melhores bandas do mundo que é Cidadão Instigado; Bruno Rafael e o Claudio Mendes. Todo mundo é meio de casa. Lá, é o Klaus Sena – que assina a produção do disco com o Carlos Eduardo Miranda; Saulo Duarte, Vitor Bluhm e João Leão”.

Cena em Fortaleza

“Nós já viramos a página do santo de casa que não faz milagre. Não só pelo trabalho do Daniel Groove, mas pelo trabalho de muita gente, pelos eventos e a movimentação que vem acontecendo. A gente vive um momento bom aqui. Pude viver mais de 10 anos em São paulo e ver muito da produção cultural que tá acontecendo. Cheguei aqui em um momento de efervescência muito importante pra fortalecer a linha de frente do que a gente quer fazer hoje em dia. Que é mostrar nacionalmente que a gente tem uma cena que é diferente do Recife, que é diferente do Pará. Aqui não é um movimento, é uma movimentação. Não temos nenhum elo que nos une ou ideologia que a gente quer falar. Mas ao mesmo tempo é uma galera da pesada”.

Vivência fora de Fortaleza

“Eu sou um compositor do cotidiano, falo sobre o que acontece. Não invento muito, não pesquiso muito. Não é um trabalho intelectual. É mais sensibilidade do que conceito. O que eu vejo passa por mim, vira vivência e vira música. Hoje, eu não moro nem em Fortaleza e nem em São Paulo. Moro onde meu trabalho está. Agora que eu vivi 11 anos em São Paulo tanto faz aonde eu tô. Isso não seria possível se eu não tivesse passado esse tempo lá”.

“Ainda acho necessário o artista que quer ver mais do mundo, estar na vitrine, conhecer gente, sair. Isso só faz crescer tua cabeça, alargar os horizontes. É importante sim ir para São Paulo, para o Rio ou Nova York, onde quer que seja. Não por ter que sair do Nordeste para buscar sucesso. Ninguém tem que buscar sucesso, tem que buscar realização. Aliás, o que é sucesso, né? Não é um estágio. É importante sair de casa pelo crescimento. O músico não pode ser enraizado. Tem que botar a sacola nas costas e ir pro mundo. Tive a oportunidade de ver muito do mundo, continuar viajando, e voltar para somar com a minha cidade”.

Carlos Eduardo Miranda

“A boa experiência de trabalhar com o Miranda é a oportunidade de trabalhar com um produtor da velha guarda. Ele trabalhou nos moldes antigos, embora seja super antenado, cheio de referências e que tenha trabalhado um disco super moderno com a gente. O Klaus, que trabalhou mais perto dele, disse que ele tinha o plano de lançar uma música primeiro (“Você vem, você vai”), e depois “Seda Azul”, que é a balada. Tem um pensamento mercadológico que eu não sei se aplica ao mercado dos novos tempos, mas vamos respeitar em deferência ao mestre”.

“Ele tava no lugar certo na hora certa. Não por sorte, mas porque ele era um cara atento mesmo. Ele não trabalhava com ninguém que ele não gostava e ele gostava de muito pouca coisa. Ele era um doce de pessoa se gostasse de você, e ele era o inferno na terra se ele não gostasse de você, véio. Os caras do Engenheiros do Hawaii até hoje fugiam do Miranda quando o viam na rua. Ele era um doce não no nível normal. Um cara carinhoso mesmo. Eu mesmo tive momentos muito legais com ele no processo do disco. Não dá nem pra dimensionar. Primeiro, passamos um mês em São Paulo gravando o disco com o cara dentro do estúdio. Ele tava ali lendo jornal, como quem não tava ouvindo nada. De vez em quando, parava e falava um negócio de quem tava atento a tudo. Cheio de referências, cheio de coisa pra pintar o disco da gente. Eu não gosto me ouvir cantando. E nesse disco ele me deixou solto, rolou a preparação vocal da esposa dele, que é a Bel Ramos. Cantei mais solto, mais feliz, cantei melhor. Ele me deixou muito motivado para cantar. Passamos uma semana ensaiando no estúdio, uma semana gravando as bases e eu gravei as vozes em três dias”.

Último contato com Miranda

“Depois, com o disco pronto, fui na casa dele pra gente ouvir o disco pela primeira vez. Não tava nem mixado ainda, mas tava todo gravado. Fui na casa dele pra gente ouvir esse disco. Ele já tava bastante doente, não tava nem saindo, nem recebendo ninguém. Foi duplamente carinhoso porque a gente sabe que ele fez um esforço pra nos receber e foi muito bom ver a alegria dele. Ele falava: “Porra, meu irmão, que disco que a gente fez, hein? Porra, Daniel, cantou pra caralho”. (Risos) Ele tava muito entusiasmado, fiquei muito feliz. E conheci a coleção dele de quadrinhos, que ele tem mais do que discos. É um cara que vai fazer muita falta. Que bom que tive a oportunidade de cruzar o caminho dele e que pena que ele foi tão cedo”.

(Foto: Gustavo Portela)

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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