Foto: Priscilla Buhr

Karina Buhr é categórica na faixa “Sangue Frio”, que abre o recém-lançado Desmanche: “O tempo tá matador / precisando exercitar paz e amor”. E, de cara, questiona: “O exército tá matador / você tá bem?”

A provocação abre as feridas que a multiartista quer expor no quarto álbum de estúdio. A raiva diante da violência e o desafio iminente de lidar com o “desmanche de governo” reflete no álbum de Karina. Desmanche chega quatro anos após o brilhante e atual Selvática.

Em entrevista ao Blog, em 2016, Karina afirmou que “todo mundo que tem algum tipo de privilégio tem obrigação de tentar diminuir diferenças sociais e agir politicamente junto com os que precisam”.

Hoje, depois de lançar Desmanche, Karina volta a conversar com o blog Fora da Ordem e é ainda mais enfática.

Fala do governo federal como “aberração” e chama uma urgência coletiva para discutir as feridas abertas que inspiraram o novo álbum, incluindo a “política genocida das polícias”, fazendo referência às intervenções do exército nas favelas do Rio de Janeiro.

Fora da Ordem: Que desmanche é esse que dá nome ao disco?

Karina Buhr: O imperativo de desmanchar, se desmanchar, desmanchar o que é tido por certo e também desmanche de governo, desmanche político.

FDO: Ele é também um norte para discussões que cercam o álbum?

Karina Buhr: O nome do disco veio depois das músicas. Quando fomos começar a gravar, esse foi um ponto em comum a todas elas e o nome que quando vi já tinha escolhido sem nem ter arrumado uma segunda opção. Só Desmanche me vinha à cabeça.

FDO: De que forma esse desmanche tem te afetado?

Karina Buhr: Acho que como tem afetado todo mundo que olha pras coisas com responsabilidade. Um desejo de urgência e também de desaceleração. Um desafio entre se manter informada, ativa, combativa e também se desmanchar na calma. Ou não se sobrevive.

FDO: Há uma aura de urgência no disco. Principalmente em faixas como “Sangue Frio”. Como foi esse processo?

Karina Buhr: Usei a palavra urgência na resposta da pergunta anterior… Sim, tem uma urgência. E olhe que a música é de 2016. É que, infelizmente, não é de hoje que o exército tá matador, não é de hoje que é urgente.

Talvez agora, diante de um governo federal que é uma aberração, essa urgência tenha se tornado mais coletiva, atingindo quase todos nós, independente de tantas diferenças. Mas essa urgência sinto faz tempo, desde criança, quando eu berrava feminismo dentro de casa, na rua, em todo canto.

FDO: O que moveu o verso “o exército tá matador” na faixa “Sangue Frio”?

Karina Buhr: O que me moveu na urgência de gravar e lançar a música “Sangue Frio” foi fala de Bolsonaro (“o exército não matou ninguém”), dita a respeito de dois assassinatos (do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador Luciano Macedo, fuzilados em ação do Exército).

Essa fala bateu de frente com o refrão da minha música, que fala “o exército tá matador” e isso me moveu na urgência do lançamento, de botar ela na rua como um grito que estava entalado. Mas ela existia desde 2016.

Essa frase do presidente diz respeito à política genocida das polícias, das intervenções do exército nas favelas do Rio. Que também não são de hoje, embora hoje esteja tudo bastante agravado e mirando ainda o pior. A questão aqui é o problema como um todo, a escolha do Estado brasileiro pelo genocídio de pretos e pobres.

Foto: Priscilla Buhr

FDO: E o que esses episódios dizem sobe o nosso tempo?

Karina Buhr: Mostram que falhamos. A culpa é de todos nós. Mais de uns que de outros, mas de todos nós.

FDO: Há também uma atmosfera punk que já era possível perceber em alguns momentos do Selvática (terceiro álbum), mas esse ganhou ares de indignação. Para quem é esse grito?

Karina Buhr: Pro Brasil.

FDO: Por que a decisão de convidar outros músicos para gravar ao invés da banda que já te acompanhava nos outros três CDs?

Karina Buhr: Porque fizemos três álbuns juntos, todos muito intensos e muito representativos pra mim e pra eles, tocamos juntos desde 2008. Sempre gostei demais de tudo que fizemos juntos, tanto gravando como nos shows.

Mas música é movimento, eu sou movimento e tudo pode mudar a qualquer hora, então decidi agora fazer as coisas de outro jeito, gravar de outra forma, com outras pessoas, outra formação da banda, tirar bateria, mudar tudo, Desmanchar.

Convidei então Regis Damasceno pra fazer a produção musical junto comigo e Maurício Badé pra fazer os arranjos junto com a gente.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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