Olá! Hoje a coluna Todos os Sons traz um especial sobre o “Funeral”, álbum de estreia da banda Arcade Fire. Após 10 anos de sua existência, o disco, considerado pela crítica em geral um dos melhores dos anos 2000, continua reverberando.

**FUNERAL**

Funeral 1

Há 10 anos, no dia 14 de setembro, o “Funeral”,  primeiro álbum da banda canadense Arcade Fire, era lançado. Nas próximas linhas pretendo comentar esse disco que marcou não só minha vida, mas de alguns ouvintes ao redor do mundo.

Antes de tudo, não esperava (mesmo) escrever sobre ele. Da alguma forma, relutava para não ter que comentá-lo durante um bom tempo.  Até que achei que estava na hora.

Quero que leiam isso como uma memória, que, para mim, é poesia, é fantasia. Muitos significados nesse disco se desdobram. E por mais que seja “Funeral” seu título, nada de ruim me vem à memória quando penso sobre ele. Nostalgia, sim.   

Sabe qual o principal motivo que me levou a pensar que não escreveria sobre o álbum de estreia do Arcade Fire? Simplesmente porque achei que não conseguiria. As palavras faltariam.

Depois desse tempo todo, é, agora, necessário desvendar, mesmo que em partes, o universo contido nele.

Minha iniciação com o Arcade Fire está, obviamente, ligada diretamente ao disco. Tinha 18 anos quando escutei as músicas do casal Win Butler e Régine Chassagne. Era um dia de Natal e eu não apenas ouvi, mas vi a performance ao vivo da banda no YouTube.

Eles tocavam a música “Neighborhood #2”, conhecida como “Laika”. No vídeo, Régine aparecia com uma roupa pouco comum, cabelos enlinhados, segurando uma sanfona. Win empunhado sua guitarra Fender Jaguar, vestindo um colete.

O resto da banda era enorme para mim. Violinos, baixo, bateria, teclado, percussão, etc. O clima da música era simplesmente fantástico. Não poderia deixar de lembrar também da performance de Richard Reed Parry e do irmão de Win, Willian Bluter, que se debatiam no palco e tocavam loucamente percussão usando capacetes, quando era entoado o refrão da música.

**FUNERAL 2**

Funeral 2

Mais tarde, fui procurar mais shows deles ao vivo e então… Foi um estalo. Era a revolução. Era como viver novamente. Era calor humano e estava tudo estampado ali, no rosto de cada um dos integrantes. Uma festa com ares de extrema inquietação no palco. Uma espécie de sinfonia de pura entrega ao vivo.

Cheguei até a banda porque sempre fui louco por coisas novas. Estava no auge das descobertas na internet. Lia um site chamado “Gordurama” de resenhas musicais e me sentia totalmente num universo paralelo.

“Ninguém lia aquilo. Ninguém ouvia aquilo” – pensei por muito tempo. Mas o Orkut começou a despontar. Daí descobri que havia mais umas 100 pessoas que escutavam Arcade Fire, pelo menos.

Foi numa comunidade (lembram disso?) chamada “AFA – Arcade Fire Anônimos” que conheci grandes amigos. Eles compartilharam um pouco desse sentimento comigo e cresceram ouvindo a banda.

Logo percebi que havia algo diferente no grupo. Os integrantes juntos mais pareciam uma família. Cada um deles tocava vários instrumentos e iam trocando durante as apresentações. Sempre muito vívidos e animados, eles eram uma banda diferente. Eis o Arcade Fire.

PLAY:

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=jYc4jpgBQE8[/youtube]

Mas o que dizer do “Funeral”? Bom, o álbum era tudo que sonhava vindo daquelas performances vistas nos palcos. Aos poucos fui descobrindo o mundo criativo presente na obra.

O disco era enigmático (para um jovem que morava em Fortaleza e não tinha acesso a muitas coisas de fora).  Tinha 10 músicas. Quatro delas nomeadas “Neighborhood” (#1, #2,#3,#4).

Achava que nunca chegaria às minhas mãos aquela capa de encarte diferente, de papel especial e arte excêntrica. Até que ganhei um exemplar. 

Já havia escutado milhares de vezes antes de ter o CD, claro. Mesmo assim, ter a obra diante dos seus olhos é bem melhor. Já me considerava um fã e a banda só tinha um EP e esse álbum, o velho “Funeral”.

Basta dar o play para a história toda recomeçar na minha cabeça. A abertura com Neighborhood #1 (Tunnels) é arrasadora. Piano e violino aos poucos entram por seus ouvidos e rapidamente estão no seu sangue. É quando entra a banda toda. É quando Win menciona na letra que deixaremos nossos cabelos crescer e esqueceremos tudo que costumávamos saber (We let our hair grow long and forget all we used to know).  Bem-vindo ao mundo de “Funeral”!

Hoje, percebo o quanto o Arcade Fire mergulhou num universo onde nenhuma outra banda de rock se atrevera na época. Acima de tudo, com muito sentimento. Exploraram sem medo suas influências do folk, da música erudita, do rock, misturando instrumentos acústicos aos elétricos e utilizando vários elementos da música pop. E, o melhor, bebiam de ótimas fontes: The Cure, David Byrne, Bowie, Clash e até música brasileira.

 **FUNERAL 3**

Funeral 3

Existem milhares de resenhas do “Funeral” por aí. Geralmente fazem referencia ao lado mais “sombrio” da obra, puxando pelo significado do nome. É certo que alguns familiares dos membros do grupo morreram na época de gravação do disco, embora isso não queira dizer que o disco trate essencialmente de morte, ou de algo fúnebre.

Acho que o Arcade Fire emana vida e me deu vida quando escutei suas músicas. A morte é só uma parte disso (que por sinal é bem explícita na última faixa intitulada “In The Backseat”).

Quando digo que o septeto (ou sexteto) me deu vida, foi literalmente isso.  O grupo me estimulou de uma forma surpreendente. Eles me fizeram ver que era possível fazer uma música que poderia ser melancólica e animada ao mesmo tempo. Fizeram-me buscar outras potencialidades na minha forma de compor e de tocar um instrumento.  E uma das coisas mais importantes: deram-me ânimo para seguir buscando outras sonoridades.

Sobre as letras, estas sempre me lembram de algo nostálgico, cheias de significados, principalmente sobre a família, amigos, perdas, medos e amores profundos. São basicamente uma alegoria de nossas vidas.

O Arcade Fire mudou muito desde então? Bom, acho natural que aconteça. Quantas vezes o Bowie já mudou?  Considero as mudanças do Arcade Fire valiosas e não há um só disco ruim na discografia do grupo.

Sempre haverá um gostinho de “Funeral” na banda, por mais que eles sejam agora guiados pelo seu álbum “Reflektor” (2013), por mais que agora até brinquem que são o The Reflektors, como definiu Win Butler.

Talvez daqui a uns 10 anos tenha mais histórias para contar sobre o “Funeral”. Comprei recentemente o disco na versão de vinil. Fico feliz por até hoje escutá-lo com toda a empolgação de anos atrás e cantar: “Everytime you close your eyes…(lies, lies)” ou “Our mother shoulda just named you Laika!”.

Lucas Benedcti_Assinatura

 

Lucas Benedecti

lucas.benedecti@gmail.com