Manoel de Barros

Por Talles Azigon*
A poesia brasileira é tão imensa quanto nosso país-continente. Muitos sotaques, formas e modos atravessam a poesia. Possuímos uma poética tão diversa quanto às nossas espécies de aves e plantas. Falando de pássaros e árvores, Manoel de Barros, com ave no nome, é uma espécie de doutor. O poeta, nascido em Cuiabá, é cheio em si de pantanais, riachos, entre outras naturezas vivas. 

É por demais de grande a natureza de Deus.
Eu queria fazer para mim uma naturezinha particular

E faz. No seu Poemas Rupestres, através dos sentidos, visão, audição e tato, sendo o paladar uma espécie de tato, e o olfato uma espécie de visão, ele compõe com as palavras uma naturezinha toda particular, cheia de desimportâncias.

Por forma que a nossa tarefa principal
era a de aumentar
o que não acontecia.
(Nós era um rebanho de guris.)
A gente era bem-dotado para aquele serviço
de aumentar o que não acontecia.
A gente operava a domicílio e pra fora.
E aquele colega que tinha ganho um olhar
de pássaro
Era o campeão de aumentar os desacontecimentos.
Uma tarde ele falou pra nós que enxergara um
lagarto espichado na areia
a beber um copo de sol.
Apareceu um homem que era adepto da razão
e disse:
Lagarto não bebe sol no copo!
Isso é uma estultícia.
Ele falou de sério.
Ficamos instruídos.

Poemas Rupestres, assim como os desenhos rupestres, seriam as formas iniciais da poesia – como ela nasce. No livro, esse nascer é principalmente nas crianças, que mesmo adquirindo a língua materna de maneira geracional, não deixam de inaugurar uma nova linguagem sempre. A infância da vida e a infância da linguagem sempre unidas, a modo de dar poesia nesse encontro.

Faça uma regressão: qual a importância do mundo físico imediato que você aplicava na infância para a importância aplicada hoje por você? Para infância e para os poemas essa importância é sempre maior.

Eu quis filmar o abandono do poste

O livro – dividido em Canção do ver, Desenhos de uma voz e Carnaval – vai priorizando um dos sentidos em cada uma de suas partes. Divertido notar, talvez esse seja uma das temáticas principais desse livro, assim como o Alberto Caeiro, o Manoel de Barros parece que nos está dizendo que a vida, logo o mundo, só pode ser experimentado através desses nossos sentidos, que podem ser bastante primitivos e até ineficazes se colocados diante de algo mais elevado e sofisticado como a razão. Tanto, que em uma outra obra o mesmo poeta já havia escrito:

Pra meu gosto a palavra não precisa significar – é só entoar.”

A razão, ou o excesso da razão, na verdade atrapalharia a leitura dos poemas desse livro. O que, para nós, é até um grande alívio, um descanso.

O avô despencou do alto da escada aos
trambolhos.
Como um armário.
O armário quebrou três pernas.
O avô não teve nada.
Ué! armário não é só um termo de comparação?
Aqui em casa comparação também quebra perna.
O avô dementava as palavras.

Poemas Rupestres é um livro que promove uma educação poética, pelo fato de ele nos convidar a usarmos os sentidos para experimentar o texto, não a razão e sua obsessão semântica. É indicado que ao ler esse livro você sinta o cheiro das palavras, a voz das palavras, lamba as palavras e sinta o seu gosto, e até mesmo como o poeta, permita que a palavra gosme em você.

Conheça Manoel de Barros

Manoel fez um percurso de formiga na literatura brasileira, nunca gostou de gravar entrevistas, preferia sempre responder tudo por escrito, não era dado a eventos, solenidades, homenagens, prêmios. Mesmo assim, se inscreveu tão fortemente em nossa literatura que seria muito bom que você o conhecesse, e muito provavelmente esse movimento de ir em encontro a poesia de Manoel de Barros será de deleite.

Dica: Caso você tenha gostado do livro e do Manoel de Barros, indico um lindo poemadocumentário chamado Só dez por cento é mentira:

 

**Talles Azigon é poeta, editor e produtor cultura. Já publicou os livros Três Golpes D’Água e MarOriginal. Gosta de assistir Hora da Aventura, de passear na Floresta do Curió e do banho na Sabiaguaba. À procura da poesia é uma coluna semanal com comentários e indicações de livros, autores e poemas. Leia mais poetas.

 

 

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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