Por Mika Andrade*
poema: bruxas in love, mika andrade
para todas as mulheres
i
como dizer “eu te amo” à uma mulher?
se uma mulher não pode amar outra mulher
uma mulher não pode amar a mãe
uma mulher não pode amar a filha
uma mulher não pode amar a irmã
uma mulher não pode amar a cunhada
uma mulher não pode amar a sogra
uma mulher não pode amar a amiga
uma mulher não tem amiga
mulheres são inimigas
e competem pelo amor do homem
do homem que abusa
do homem que estupra
do homem que mata
na noite sóbria e estrelada
ainda que o vento leve
as nuvens em aviso discreto
o choro de uma mulher espancada
rompe o silêncio
mas ninguém diz palavra em acalento
pra uma mulher espancada
ii
amar uma mulher na boca da madrugada
é pura mágica
mas amar uma mulher em plena luz ardente de sol
é uma ato de rebeldia
é jogar-se na folgueira
acreditar em si mesma
é uma afronta aos olhos que nos devoram
mas, não seremos engolidas
cuidemos uma das outras
uma mulher pode cuidar de outra mulher
como cuidado afetivo e amoroso
não como trabalho humilhante e subserviente
eu acredito no amor entre mulheres
é uma alquimia irreversível
quando os homens aprenderem a nos amar
e nos respeitar como semelhantes
eles conhecerão o amor verdadeiro
iii
a mulher que sou se reconhece após ler ‘sereia no copo d’agua’
porque sei o quanto o oceano pesa
que nem versa bianca
e eu sei que sou feita d”Água’
eu sei a dor precisa do sangue que me escorre por entre as pernas
eu sinto o ardor do leite materno enchendo no peito
minha face se banha em lágrimas
eu sei também que não sou apenas uma
eu sou muitas e sou outras
como amar todas as mulheres que sou?
como amar as mulheres que se tornam eu?
agora, como amar mulheres em plena noite
como num encontro de deusas
ou melhor, de bruxas
nos reunimos em um sarau
e eu me pergunto:
como eternizar esse amor?
como propagar esse amor?
recitar um poema
lançar um feitiço
yo tambien soy bruja!
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Mika Andrade
É poeta. Publicou a zine alguns versos pervertidos e outros indecorosos (2016/2018) e organizou a antologia erótica de poetas cearenses O Olho de Lilith (Selo Ferina).
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