Eliane Brum é uma das mais premiadas jornalistas brasileiras. Ganhou mais de 40 prêmios de reportagem, como Esso, Vladimir Herzog, Ayrton Senna e Sociedade Interamericana de Imprensa. Sua narrativa é marcada pela presença de personagens anônimos e por um estilo sensível e intenso.

“Ao escrever preferencialmente sobre pessoas anônimas, tento também fazer uma provocação à imprensa: por que isto e não aquilo é notícia? Eu acredito profundamente que toda vida é extraordinária. Não existem vidas comuns, só olhos domesticados. Às vezes, os nossos”, diz a repórter.

Gaúcha de Ijuí, Eliane começou como repórter no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 1988. Desde 2000, é repórter especial da revista Época. É autora de três livros de reportagem. Pelo primeiro, “Coluna prestes – o avesso da lenda”, no qual refez a marcha do exército rebelde pelo país entrevistando uma centena de testemunhas, recebeu o Prêmio Açorianos como autora-revelação.

Ganhou também o Prêmio Jabuti pelo livro reportagem “A vida que ninguém vê”, uma coletânea de histórias reais sobre a extraordinária vida das pessoas comuns.

No 4º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, Eliane Brum estará na mesa “O Olhar e a Escuta: jornalismo sobre a extraordinária vida comum”, contando histórias de 20 anos de reportagem.

O que você pretende abordar em sua palestra?
Eliane Brum – Acho que todo repórter é um contador de histórias reais. Na minha palestra, eu vou contar histórias reais, só que histórias dentro da história, como fiz no meu último livro, “O olho da rua”. Vou contar histórias dos meus 20 anos de reportagem, para que a gente possa refletir juntos sobre o que acho mais importante no exercício da profissão: olhar para enxergar além do óbvio e escutar sem preconceitos.

Como é a busca por personagens anônimos, uma marca de suas reportagens?
Eu me interesso pela vida supostamente comum. Sempre me interessei. Acho curioso que o homem comum seja o material da literatura, mas quase nunca do jornalismo. Mesmo no caso de celebridades e gente importante, me interessa mais nelas o que as aproxima de todos nós do que aquilo que as afasta. Sou mais uma repórter dos “desacontecimentos”. Acho mais interessante os pais que não jogam os filhos pela janela, por exemplo, do que aqueles que jogam. Meus personagens estão em toda parte. Se você for analisar cada matéria minha, vai ver que a maioria fala do que sempre esteve ali, diante dos nossos olhos. Apenas tento olhar para o mundo e para as pessoas com um olhar de dúvida. Acho que duvidar deveria ser o verbo preferencial de cada repórter. Devemos começar cada matéria duvidando das nossas próprias certezas. Nesse sentido, ao escrever preferencialmente sobre pessoas anônimas, tento também fazer uma provocação à imprensa: o que é notícia, por que isto e não aquilo é notícia, e quem decide o que é ou não notícia? Eu acredito profundamente que toda vida é extraordinária. Não existem vidas comuns, só olhos domesticados. Às vezes, os nossos.

A seu ver, o jornalismo dos dias de hoje carece de sensibilidade?
Eu não gosto muito de falar “do jornalismo dos dias de hoje”. Porque eu ouço isso desde os dias de ontem. Quando eu iniciei na profissão, há mais de 20 anos, já se falava isso. Numa análise um pouco mais histórica, é claro que tivemos momentos piores e outros melhores. Casos emblemáticos de melhor reportagem, como a revista Realidade, e episódios tristes, como os da censura no período da ditadura. Mas, de um modo geral, acho que sempre se fez mau e bom jornalismo, simultaneamente. Antes e hoje. E bom jornalismo, claro, é aquele que requer sensibilidade, respeito e envolvimento. Sempre achamos que falta sensibilidade – e é verdade, falta. Mas todas essas reflexões, como a que o próprio congresso da Abraji proporciona, mostram que há muita gente preocupada em fazer um trabalho melhor, em contar melhor a história cotidiana do país, porque é isso que fazemos. Eu sou uma otimista.

Qual reportagem de sua autoria você elegeria como aquela que mais lhe marcou? Por quê?
É muito difícil escolher. Sou o resultado de todas elas. Foram elas as minhas circunstâncias. Minha primeira grande reportagem, que foi refazer a marcha da Coluna Prestes, em 1993, foi a grande escola. Nela, conheci o Brasil e conheci a mim mesma nesse caminho. Ao longo da minha trajetória, vivi experiências incríveis com os ianomâmis e os macuxis de Roraima, com as populações da Transamazônica, com os Raimundos da Terra do Meio, talvez a viagem mais inacreditável da minha vida. Tive grandes momentos com as parteiras da floresta, com os velhos num asilo, com a família do Lula, com o pessoal da Cooperifa, com um morador de rua chamado Tião Nicomedes, com um desempregado chamado Pankinha. Quando fazia a coluna de reportagem chamada “A vida que ninguém vê”, na Zero Hora, que depois virou livro, a experiência me transformou. Me descobri através daqueles personagens, eles me ensinaram a olhar. A matéria em que acompanhei uma mulher extraordinariamente comum, nos últimos 115 dias da vida dela, foi um dos momentos mais radicais de reportagem que vivi. Mudou toda a minha relação com a morte e, por conseqüência, minha relação com a vida. Eu sou visceral, intensa. Ser repórter para mim não é apenas uma profissão, é um jeito de estar no mundo. Então, para mim, a reportagem só aconteceu, de verdade, se ela transforma, de algum modo, a mim e aos personagens.

Para saber mais sobre o 4º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, nos dia 9 a 11 de julho, em São Paulo, visite o site da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, promotora do evento.

[Entrevista produzia pela assessoria da Abraji.]