O jornalista e escritor americano Gay Talese esteve na Flip [Festa Literária de Parati], quando o “auditório” de sua palestra, fazendo um papelão, aplaudia cada platitude que ele dizia; circulou por São Paulo – seus ternos e chapéus fizeram sucesso – e hoje à noite estará no programa Roda Vida [gravado, com legenda], da TV Cultura, às 22h.
Ainda não tinha lido seu festejado livro “Fama & anonimato”, incensado por 11 entre 10 jornalistas e indicado por 10 entre 9 professores de jornalismo. Comprei-o no congresso da Abraji [R$ 65,00] deste ano. Mas não esperem que seja eu a falar mal do livro – é bom. São matérias sobreviventes de 40 anos, o que, por si só atestam a qualidade de um texto jornalístico.
Mas vou dizer uma coisa: prefiro o Joel Silveira de “A milésima segunda noite da avenida Paulista” [R$ 31,00 – na época em que comprei]. Comparando-se a primeira parte do livro de Talese – “A jornada de um serendipitoso” – com o dois textos iniciais de Silveira – “1943: Eram assim os grã-finos de São Paulo” e “A milésima segunda noite da avenida Paulista” -, o placar favorece Joel. E eu suspeito que Silveiral não chegou nem perto de gastar cinco mil dólares [“com almoços, jantares, hotel e aluguel de carro”] e nem mais de dois meses para apurar e escrever os seus textos. [Não quero ser injusto – ainda que isso não diga nada para o escritor americano e menos ainda para Joel Silveira, que já morreu -, mas, de Talese, li o livro traduzido, o que pode fazer alguma diferença.]
Silveira escreveu seus textos na década de 1940, vinte anos antes de Talese, mas se diz que o “novo jornalismo” nasceu com os americanos na década de 1960 – Talese um de seus maiores representantes.
É interessante observar que os textos de Talese guardam certa similitude com o que escreveu Silveira vinte anos antes. Obviamente não houve cópia – é bem provável que Talese nunca tenha ouvido falar de Silveira. Mostra apenas que ambos são jornalistas argutos para os detalhes.
Joel, a exemplo de Talese [que fez o perfil do cantor em “Frank Sinatra está resfriado” sem falar com ele], descreve a festa de casamento da filha de um Matarazzo sem ter ido lá. E mostra, com perspicácia a alma dos “grã-finos” sem conviver com eles.
Vejam dois trechos de “Eram assim os grã-finos” [não vou reproduzir Talese pois, provavelmente mais brasileiros o leram do que a Silveira]:
« Há coisas muito estranhas em São Paulo: os cafés não tem cadeiras nem mesinhas, dessas onde a gente costuma sentar e conversar. O trânsito das ruas é dirigido por guardas rigorsosos, como nas outras cidades importantes. E nas salas do Automóvel Club homens muito ricos jogam razoáveis fortunas, em alegres jogos de carta. Um financista de São Paulo, dono de várias fábricas e empresas, é homem sensível e inteligente, muito culto, que adora livros e faz versos. Seu rosto é cor-de-rosa, como o rosto das crianças. Seus cabelos estão alvos, porque a vida cheia de trabalho do milionário os fez assim. Mas não existe ódio nem raiva da voz do financista: ele conversa sobre livros, lê suas traduções de poemas clássicos e sua voz é suave e absorvente como uma esponja.”
[…]« D. Fifi Assunção e d. Iolanda Penteado são muito mais paulistas do que dona Irene Crespi. São paulistas de quatrocentos anos. Vocês, que apenas são capixabas do princípio do século, não sabem o que signfica, em São Paulo, ser paulista de quatrocentos anos. É mais importante do que ter uma estátua em praça pública. O poeta Olegário Mariano tem uma estátua em praça pública e passa despercebido na rua do Ouvidor. Um paulista de qutrocentos anos jamais será confundido na multidão da rua Direita. »
Então a pergunta é: por que Joel Silveira, lúcido e sempre atualizado, morreu semi-esquecido em seu apartamento de Copacabana, sem que nenhum jornal se lembrasse de convidá-lo para escrever com regularidade? Por que ele não merecia um décimo da atenção que se dá a Gay Talese?
Uma das prováveis respostas: um escritor, um jornalista, um artista razoável, com as poderosas máquinas de divulgação dos “países centrais” terá mais destaque do que um ótimo equivalente brasileiro.
[Felizmente a Abraji, em seu congresso de 2007, homenageou Joel Silveira ainda em vida, quando foi representado pela sua filha. Ele morreria no mesmo ano. No congresso foi exibido um vídeo – do qual eu guardo uma cópia – em que Joel explica por que ganhou de Assis Chateaubriand o apelido de “a Víbora”. Lendo o trechos acima tem-se uma pista da razão de seu apelido. ]
Ele ela “A Víbora” de Chateaubriand ou o Chatô o chamava de “A Víbora”? Desculpa, Plínio, não se trata de implicância. É que ficou dúbio mesmo. Boa análise. Abraços.
Como filho anônimo do grande reporter (era como gostava de ser intitulado) Joel Silveira, é muito gratificante para mim ver a obra e sua personalidade como profissional ser reconhecida, principalmente pelos que militam na imprensa atual sem perder de vista os desbravadores/inovadores que deixaram sua marca na história do jornalismo desse País, entre eles, Joel Silveira. Naquela época, reporter era pura vocação, um dom. Meu pai sempre dizia que jornalismo não se aprende em faculdades, mas próximo das “rotativas” dos jornais e se virando como “foca” à caça de assuntos que alimentassem a voracidade dos leitores pelo que estava acontecendo em qualquer lugar do planeta. Joel Silveira Filho