Repórteres sem Fronteiras, “uma organização internacional de defesa da liberdade de imprensa”, com sede em Paris (França), lançou esta semana relatório sobre as circunstâncias dos meios de comunicação no Brasil.
O país dos 30 Berlusconis
O documento de 28 páginas, com o título “O país dos trinta Berlusconi” (referência ao ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi, que domina a mídia em seu país), procura dar conta de questões antigas no Brasil, como a concentração dos meios nas mãos de poucos proprietários, censura judicial, assassinato de jornalistas, internet e imprensa comunitária.
Sem dados objetivos
Uma das falhas do relatório é que reproduz obviedades (ainda que os problemas sejam prementes) – sem acrescentar dados novos – e baseia seu estudo em declarações e não em levantamento objetivos, o que pode levar que leva a conclusões equivocadas.
Grandes grupos não precisam de publicidade do governo?
O relatório acerta quando aponta o grave problema da concentração da mídia no Brasil (principalmente o caso da radiodifusão: rádio e TV). Mas se equivoca ao dizer que o “sistema midiático brasileiro (…) também é desvirtuado pelas distribuição dos anúncios e do colossal maná da publicidade oficial”.
Isto é, se se considerar verdade – como o relatório considerou – a explicação do jornalista Eugenio Bucci, quando atribui o “agravamento” da situação ao “aumento” da distribuição de verbas oficiais para publicidade – e que isso impediria em se falar de um “imprensa livre e plural”.
Ainda segundo Bucci, “Os principais grupos de imprensa como Folha, Estado ou Globo não precisam dessas receitas, que no entanto garantem a sobrevivência da mídia de dimensão média. Mais do que uma pressão, se trata de uma autêntica tutela”.
Precisam e defendem com unhas e dentes
Poderia apenas sorrir ironicamente desse argumento, não fosse o barulho (incluindo editoriais ameaçadores) que os grupos citados por Bucci fizeram quando o governo federal promoveu uma pequena redistribuição das verbas publicitária, retirando uma parcela dedicada às famílias Frias, Civita, Marinho e Mesquita para incluir outros meios na cota. Esses mesmos grupos fazem escândalo equivalente quando se fala que a publicidade governamental também deveria favorecer a chamada imprensa alternativa.
[A rigor, a verba publicitária governamental (exclusive de empresas que estão no mercado, como o Branco do Brasil, Petrobras, Caixa Econômica, etc) deveria ser usada apenas para campanhas de utilidade pública.]Coronéis, política e negócios
O problema com uma boa parte dos grupos regionais de mídia não é que eles dependam da publicidade oficial. É que eles são propriedade de políticos “coronéis” (o termo é usado no relatório do RSF) ou são subordinados a grandes grupos empresariais (que muitas vezes também são políticos) – que nada têm a ver com comunicação – e usam jornais e TVs do mesmo modo que se utilizam gazuas. E, nessa promiscuidade, a publicidade é apenas um aspecto – e nem o mais relevante – do problema.
Veja aqui o relatório completo em português.
Mais informações e o relatório (em inglês).
Olá, Plínio
Obrigado pela indicação de leitura. Examinei o relatório na íntegra. O texto se dedica a oferecer um panorama sobre o jornalismo no país. Fico, no entanto, ressabiado ao perceber que as bandeiras são, basicamente, as mesmas de muitos dos “movimentos” pela “democratização da comunicação” que temos por aqui.
Minha inquietação não se refere às reivindicações de tais grupos (concordo, por exemplo, que a radiodifusão comercial utiliza o espectro público, por isso, e deve prestar contas e um serviço de boa qualidade), mas (1) à dificuldade dessas entidades em operacionalizar propostas concretas que aliem democracia, participação e liberdade (há artigos dos projetos de Conselhos de Comunicação absurdos) e (2) à crescente participação de defensores da causa em órgãos governamentais (não se deveria avaliar o risco de cooptação? Qual a efetiva independência e afastamento do poder?).
Além disso, eu também gostaria de ter acesso aos números relativos a um ponto do argumento que você elaborou:
1) Você disse que o relatório “se equivoca ao dizer que o ‘sistema midiático brasileiro (…) também é desvirtuado pelas distribuição dos anúncios e do colossal maná da publicidade oficial’.
Bom, mas qual seria a proporção de verbas de publicidade oficial nos orçamentos de jornais de outros países? Pode ser que a entidade criticou a situação brasileira levando em conta um parâmetro distinto do nosso.
Um questionamento quanto à distribuição de verbas: se a imprensa é “alternativa”, depender do governo não comprometeria tal condição? Os termos não são ingênuos: “alternativo”, mas direcionado a desempenhar seu papel a partir de que critérios? Que fique claro: de forma alguma sou contra uma distribuição mais igualitária das verbas oficiais. Antes de “fechar a Globo”, como querem os mais radicais, considero mais importante haver várias emissoras concorrentes. A questão fundamental, para mim, ainda é suspeitar de todo trabalho jornalístico, forças profissionais e empresas a serem transparentes.
Por último, uma piada boba: “Mais de 30 Berlusconis” significa pluralidade ou oligopólio? Trinta é pouco? rsrsrs…
Abraço e bom sábado.
Caro Jamil,
Quanto aos dados, eu também gostaria de tê-los. Por isso escrevi que o relatório peca por não trazer dados objetivos. O que me invocou que eles reproduziram acriticamente a fala de Bucci de que os “grandes” meios não precisam da publicidade governamental.
Quanto a imprensa “alternativa” quis me referir – imprecisamente, v. me chama a atenção – aos que não fazem parte dos “30 Berlusconis”. A propósito, os caras podiam ter dado um nome melhor para o relatório.
Agradeço pelo comentário,
abraço,
Plínio