Militante dos Black Cats, a Mel pede para registrar que posou contrariada (notem a expressão) para esta resenha, pois odeia esse senhor desenhado na capa do livro. (Clique para ampliar)

Militante dos Black Cats, a Mel pede para registrar que posou contrariada (notem a expressão) para esta resenha, pois odeia este senhor desenhado na capa do livro. (Clique para ampliar)

Coube a uma jornalista brasileira, Silvia Bittencourt, escrever um livro  A cozinha venenosa: Um jornal contra Hitler -, sobre uma atrevida publicação de Munique , que desde o início alertava sobre os propósitos do “sr. Hitler” e a tragédia que se abateria sobre a Alemanha e o mundo.

A história do Münchener Post, o principal inimigo dos nazistas na imprensa

A saga do Münchener Post e seus corajosos jornalistas é pouco abordada pela historiografia alemã sobre o nazismo: esta é a primeira obra que detalha a história do Post, informa a autora no prefácio do livro.

Estudos

A falta de estudos mais aprofundados, segundo a autora, talvez se explique pelo fato de o Post ter sido uma publicação que apelava para o sensacionalismo: “Para seus jornalistas, mais importante do que a precisão das informações era o ataque a ser desfechado [contra Hitler e seus comparsas]”; talvez por ser um jornal partidário, do SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha).

O primeiro jornal a citar Hitler

O fato é que o Münchener [Munique] Post foi o primeiro jornal a citar o nome de Hitler em suas páginas – já alertando o que representava aquela figura, que fora cabo do exército alemão na Primeira Guerra. Editado desde o século anterior, o Post anotou o nome de Hitler pela primeira vez, em sua edição de 14 de maio de 1920, já espinafrando o futuro líder nazista: “Na terça feira à noite, um senhor chamado Hitler falou sobre o programa desse ‘partido’ [nazista]. Ele soltou as mesmas palavras e disparou os mesmo clichês que somos obrigados a ouvir nos eventos de propaganda nacionalista”.

Nos calcanhares

Daí para a frente, o Post acompanhou a carreira de Hitler – como nenhum outro jornal da Alemanha o fez – sempre mordendo-lhes os calcanhares, até a destruição física do jornal, em 19 de março de 1933, poucas semana após Adolf Hitler ter sido nomeado chanceler (primeiro ministro) da Alemanha. As tropas de Hitler destruíram móveis, equipamentos, derramaram barris de tinta de impressão na calçada – juntaram os destroços e fizeram um fogueira em frente à sede do jornal.

Atos

Entre o primeiro ato e o último, o Post manteve-se altivo – por vezes solitário – no combate ao nazismo. Escorregou, por vezes, no preconceito, a exemplo de quando divulgou a homossexualidade do chefe da SA (a tropa de assalto do nacional-socialismo), contrariando as diretrizes de seu partido, o SPD, que defendia a descriminalização da prática homossexual, proibida constitucionalmente. O jornal tentou justificar-se apontando a hipocrisia do Partido Nacional-Socialista, que condenava a homossexualidade e mantinha um deles em cargo de liderança.

Sem trégua

O Post de Munique não dava tréguas: superava a censura e agressões físicas; processava e enfrentava processos abertos pelos partidários do nacional-socialismo, sem nunca deixar de denunciar a leniência da Justiça do estado da Baviera para com os nazistas; seguia todos os passos de Hitler; alertava sobre a crescente atração que o discurso nazista exercia sobre os alemães;  e, principalmente, antecipou as principais medidas que o “tocador de tambor” imporia à Alemanha e ao mundo, se chegasse (como chegou) ao poder – e fez as primeiras análises que “explicavam” o fenômeno:

 «A primeira tarefa das organizações nacionalistas é a eliminação dos judeus, dos social-democratas e de outras tendências.” (edição de 11/6/1923)

 «[Hitler é] Um ambicioso que ferve por dentro, meio calculista, meio sonhador, meio lógico, meio patológico, impregnado e carregado por uma paixão frenética, que passa por cima de jovens instáveis, aventureiros necessitados e valquírias histéricas.» (14/3/1925).

 Sobre o programa do Partido Nacional-Socialista, o Post assinalava ser feito de “ódio aos judeus. Também esse ódio é consumado com palavreados; e quem não os entende ou é judeu ou é financiado por judeus. […] Não há nada de intelectual na base do nacional-nacional socialismo. Ele é e permanecerá uma verdadeira cruzada de inveja, do ódio da maldade.” (1930)

 «Penas de morte, prisões e castigos corporais. Esse é o espírito da casa parda [referência ao uniforme da SA] que deverá reinar na Alemanha.» (1º/12/1931).

 «Na condição de “nacional-socialistas”, eles os enganam [o povo] com a ilusão de um novo “socialismo alemão”, por trás do qual está nada além do que a ditadura fascista, que almeja um Estado corporativo nos moldes reacionários, no qual o trabalhador deve perder todos os direitos e liberdades batalhados com grandes sacrifícios.» (março de 1931)

 Em 9/12/1931, o Münchener Post publica uma nota alertando sobre a “solução final para a questão judaica”, caso os nazistas conseguissem implantar o Terceiro Reich (reino).

Ascensão

Mas a ascensão nazista não para. Em 1933, em uma Alemanha de 65 milhões de habitantes, o Partido Nacional-Socialista tem cerca de quatro milhões de filiados. Hitler torna-se um dos políticos mais populares da Alemanha.  Depois das eleições, em que o partido nazista obtém a maioria dos votos, Hitler torna-se chanceler; pouco depois, recebe poderes ditatoriais  do parlamento.

A propósito: o título de “Cozinha Venenosa” foi dada ao Post por Hitler; dizer que alguém “destilava veneno” era um de seus xingamentos preferidos.

História

Com o Mürchener Post destruído, seus jornalistas são perseguidos e dispersam-se; alguns deles voltam após a tragédia nazista e ajudam na reconstrução da Alemanha. A autora conversa com alguns descendentes deles, sendo que a maioria desconhecia a atuação de seus pais e avós.

Além de contar a história do jornal, o livro de Silva Bittencourt faz um resumo bem didático (e de boa leitura) da ascensão do nazismo, desde o seu surgimento nas cervejarias de Munique, até a ascensão de Hitler ao poder. Mostra a violenta crise política e econômica que se abateu sobre a Alemanha no entre guerras e a situação que possibilitou que um aventureiro chegasse ao poder pela via do voto, transformando-se em um ditador, que afundou o país em uma loucura sem precedentes.

*  “A cozinha venenosa – Um jornal contra Hitler: A história do Munchener Post, o principal inimigo dos nazistas na imprensa”. Silvia Bettencourt. Editora Três Estrelas – (373 págs.)

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