Nesta semana (de 22/10 a 26/10/2013) substituí Érico Firmo, o titular da coluna Política, do O POVO. Com este texto, neste sábado (24/10) encerro esta participação. Na próxima terça-feira, Érico estará de volta.

Segurança – “Indisponível no momento”

Revoltante. É o mínimo que se pode dizer sobre o desenrolar dos acontecimentos que terminaram no assassinato da pedagoga Andréa Aderaldo Jucá pelo ex-marido, Alan Terceiro. Andréa tinha 39 anos, levou 20 facadas, e deixou três filhos.

VIA-CRÚCIS
O relato publicado ontem neste jornal assemelha-se a um trailer de terror, no qual misturam-se doses de incompetência, descaso, falta de profissionalismo e desconsideração com a vida humana, aliados ao desgoverno que acomete a área de segurança pública no Ceará. Particularmente, no caso, expondo as graves deficiências da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) e seu telefone de “emergência”, o 190.

A via-crúcis de Andréa, descrita no texto de Demitri Túlio, durou cerca de 40 minutos, segundo os vizinhos que iniciaram as tentativa de falar com o 190, até o desfecho fatal do caso. Parte desse tempo foi registrado minuciosamente no relatório da Ciops, ao qual o repórter teve acesso.

BUROCRATAS
Nesse período aconteceram situações absurdas, como classificar a ocorrência de baixa prioridade, por ser “briga de família”, até o caso de uma equipe do Ronda recusar-se a atender a ocorrência por estar na hora da “rendição” (mudança de equipe) e, portanto “indisponível no momento” para o atendimento. Os policiais agiram como burocratas, fechando a “repartição”, como se não estivesse em causa a vida de uma pessoa.

A dramática aflição de uma vizinha (somada às ligações de várias outras pessoas), que telefonou seguidas vezes à Ciops, foi complementada por suas declarações ao jornal. Desesperada, ela chegou a sair correndo pela rua na tentativa de obter socorro para Andréa, que estava sendo espancada violentamente pelo ex-marido.

QUEM EXPLICA?
Quando a primeira equipe de policiais chegou, 23 minutos após a primeira ligação, Andrea já estava morta. Logo após, apareceram mais três carros da Polícia Militar e um da Polícia Civil.

Incompreensível é o seguinte: se não havia equipes disponíveis para o atendimento, por que, logo após ser constatada a morte de Andréa, apareceram quatro carros policiais? Não existem carros suficientes para atender chamadas, mas sobram quando o fato está consumado?

RESPOSTA?
Depois da publicação da matéria, a Secretaria da Segurança enviou resposta ao jornal, afirmando que vai apurar possíveis “desvios de conduta” de policiais, encaminhado o caso à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD). Afirma ainda a nota, que serão adotadas medidas para corrigir os problemas da Ciops citados no texto, incluindo a compra de uma sistema digital de rádio, que deverá ser instalado até março de 2014.

RESPONSABILIDADE
É certo que alguns dos problemas observados na operação podem ser atribuídos a “desvio de conduta”. Mas a responsabilidade maior é da Secretaria da Segurança e, principalmente, do governo do Estado, que viu a situação do aparelho de segurança deteriorar-se ao longo desta gestão, pouco fazendo para atacar os problemas.

Alguém pode alegar que o assassinato de Andréa não é um típico problema de segurança pública, o que procede. Porém, o mesmo não pode ser dito das graves falhas observadas no processo de atendimento, a partir do momento em que o Ciops recebeu o pedido de ajuda.

PROCESSO
O pior é imaginar que isso deve acontecer todo dia, sem que ninguém tome conhecimento. Matéria recente do O POVO mostrou que o Ronda atende apenas 33% das ligações que são feitas para os carros. Muitos leitores, com certeza, já tiveram experiências frustantes ao tentarem acionar o 190 ou o Ronda do Quarteirão. Quantos não-atendimentos resultaram em tragédia?

A família de Andréa deveria processar civil e criminalmente o governo do Estado e os policiais que se recusaram a prestar socorro. Há artigos no Código Civil, no Código Penal e no Código Penal Militar que suportariam a medida.

LONGO MOMENTO
Parafraseando o policial que se recusou a atender à ocorrência, a segurança pública está “indisponível no momento”. Um longo momento que já dura quase oito anos.

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