Reprodução da coluna “Menu Político”, publicado no caderno “People”, do O POVO, edição de 27/4/2014.

Ilustração: Carlus

Ilustração: Carlus

Zé Maria do Tomé: um crime à espera do castigo
Plínio Bortolotti

Passados quatro anos do assassinato de José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé, o processo se aproxima do fim da fase de instrução – quando o juiz decide pela pronúncia ou não dos réus. Líder comunitário e ambientalista de Limoeiro do Norte (CE), Zé Maria foi morto no dia 21 de abril de 2010. No seu corpo contaram-se mais de 20 balaços, reveladores do ódio do mandante e do “profissionalismo” do executor, que fez o “serviço”, de modo a não restar nenhuma dúvida de seu resultado.

Desde o início desta semana movimentos sociais da Chapada do Apodi, que acompanham o caso desde o início, realizam atividades para lembrar a morte de Zé Maria. No dia 29/4/2014, representantes de diversas entidades ambientalistas e de luta pela terra, estarão presentes em mais uma audiência na 1ª Vara da Comarca de Limoeiro do Norte.

Na avaliação do advogado Cláudio Silva, assistente de acusação, e integrante da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap-CE), até o fim de maio deverá estar concluída a fase de instrução, quando o juiz decidirá sobre pronúncia dos acusados, isto é, se aceita a tese da acusação de que houve homicídio doloso. Em caso de pronúncia, inicia-se nova fase em que os réus serão submetidos a júri popular, respondendo pelo artigo 121 do Código Penal, que se ocupa dos crimes contra a vida – e cuja pena que pode chegar a 30 anos de reclusão.

Figuram com réus no processo João Teixeira Júnior (proprietário da Frutacor, empresa que mantém cinco mil hectares de fruticultura irrigada), José Aldair Gomes Costa (gerente da mesma empresa), Antônio Wellington Ferriera Lima e Francisco Marcos Lima Barros (ambos teriam dado cobertura ao assassino).

José Maria foi morto aos 44 anos, deixando a mulher e três filhos. Era presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da Chapa do Apodi, e liderava as denúncias que atribuem a contaminação do solo e da água ao uso indiscriminado de agrotóxicos por empresas exportadoras de frutas que atuam na região.

O advogado Cláudio Silva considera “razoável” o tempo de tramitação do processo, levando em conta a “típica lentidão” do Judiciário. O que para ele continua inexplicável foi o atraso na investigação policial, que começou em Limoeiro do Norte, demorando dois anos para ser concluída. Ele diz que a investigação “andou” somente depois de ser transferida para a Divisão de Homicídios de Fortaleza.

Três meses depois do assassinato de Zé Maria, em uma operação policial que nada tinha a ver com sua morte, um pistoleiro conhecido como “Boião” foi morto no confronto. Demorou mais de oito meses para a perícia concluir que os disparos que mataram Zé Maria haviam saído de sua arma. O advogado lamenta o fato de a Justiça não ter podido ouvir o suposto executor de Zé Maria, que poderia dar esclarecimentos importantes sobre o crime.

No Brasil, país em que 90% dos homicídios ficam impunes, é confortador saber que o processo de Zé Maria já percorreu boa parte de seu caminho legal. O que se espera agora é que os responsáveis pelo seu assassinato sejam exemplarmente punidos.

NOTAS

Estudo
A médica Raquel Rigotto, professora do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenou um grupo de pesquisadores que durante quatro anos estudou como o uso indiscriminado de produtos químicos na lavoura pelo agronegócio interfere na vida das pessoas e no meio ambiente da Chapada do Apodi.

Exame
Os pesquisadores examinara 545 trabalhadores rurais: 97% deles relataram ter contato com agrotóxicos, sendo que 30% apresentaram sintomas claros de intoxicação no momento da consulta.

Câncer
Comprando três cidades: Limoeiro do Norte, Quixeré e Russas, com 12 municípios nos quais o agrotóxico não é utilizado, a pesquisa observou que as três cidades da região da Chapada do Apodi tinham um percentual de 38% a mais casos de câncer.

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