Reprodução da coluna “Política”, edição de 9/5/2014, do O POVO.

Ilustração: Hélio Rôla

A trapalhada das carteiras estudantis
Plínio Bortolotti

Um estudante secundarista com o dedo do pé decepado, policiais e guardas municipais perseguindo alunos a pauladas pelo bairro da Messejana, uma jornalista agredida a chutes e golpes de cassetete e um repórter-fotográfico sob a mira de uma arma. Esse foi o resultado da trapalhada da Prefeitura na distribuição das carteiras estudantis.

Depois de tudo isso, em vez uma autoridade do Município vir a público explicar-se com os alunos, aparece um burocrata para dizer que a culpa dos desatinos é dos estudantes. A fala presidente da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), Antônio Ferreira: “Não houve falha de comunicação. O processo foi ostensivamente divulgado nas escolas, na internet, na imprensa e em outros meios. Mas as pessoas deixaram para fazer o pedido de última hora”.

Continua Ferreira: “Todos os atores do processo precisam fazer a sua parte. Fizemos a nossa, mas é necessário que os diretores confirmem a matrícula”. Ou seja, todo mundo tem culpa, menos ele, que deveria cuidar para que o processo transcorresse com tranquilidade.

O fato é o seguinte: ano passado, os estudantes tinham dois documentos: a carteira estudantil e o Bilhete Único Unificado, um cartão carregado com créditos para ser utilizado no transporte público. Este ano, a Prefeitura resolveu eliminar o bilhete e usar a própria carteira estudantil para carregar os créditos. Muitos estudantes que utilizavam apenas o bilhete, nem se preocupavam em renovar a carteira estudantil. O prazo para pedir o novo documento encerrou-se no dia 15 de abril e a estudantada foi pega no contrapé.

Uma medida racional, a eliminação de um documento, foi executada de maneira confusa e sem informações adequadas, ao contrário do que diz o presidente da Etufor.

Os números podem provar. De uma média anual de 530 mil pedidos de carteira estudantil, este ano foram solicitadas 333 mil, sendo que 139 foram entregues e 194 mil deixaram de ser autorizadas, devido a pendências. Ora, levando-se em conta a média histórica, é difícil aceitar que 197 mil estudantes (530 mil – 333 mil) tenham deixado de fazer o documento por descuido. Pior ainda é tentar convencer alguém que 194 mil pessoas foram ignorantes ao ponto de entregarem o papelório incompleto à Etufor se o negócio não fosse embaçado.

O processo é tortuoso: o estudante tem de fazer a biometria facial (identificação pelo rosto) em um lugar, entregar a prova de que é estudante em outro, e pegar a carteira em um canto diferente. Sem contar o vaivém entre Etufor, instituições de ensino e entidades estudantis, os tais “atores”, citados por Ferreira.

(Sugiro à Etufor – e ao seu presidente, Antônio Ferreira – um estágio na Receita Federal. Poderão aprender como se faz para divulgar prazo de entrega de documentos. Pelo que eu me lembre, nunca vi a polícia na porta da Receita batendo em contribuintes por terem atrasado a entrega da declaração do Imposto de Renda.)

E, senhores servidores públicos, vamos combinar: admitir um erro e pedir desculpas, não desonra ninguém; pelo contrário, engrandece quem o faz. É infamante, depois de tudo o que aconteceu, responsabilizar as vítimas pelos prejuízos sofridos.

É SOLA, É SOLA
O primeiro parágrafo da coluna é um resumo da reportagem da jornalista Sara Oliveira e da agressão que ela e o repórter-fotográfico Humberto Mota sofreram quando estavam trabalhando na cobertura da manifestação dos estudantes, no terminal de ônibus de Messejana. É inacreditável a inabilidade e a truculência da polícia para lidar com manifestações, secundada pela Guarda Municipal, que vem agindo como uma espécie de PM-mirim. Segundo a repórter, estudantes foram perseguidos a uma distância de mais de 400 metros do terminal. Para que essa fúria toda? Não bastava tê-los dispersado “apenas” com tiros de balas de borracha, bombas “de efeito moral” e spray de pimenta? Não bastava. Como gritava o inspetor da Guarda aos seus comandados: “É sola, é sola”.

 

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