Reprodução do artigo publicado na edição de 10/8/2014 do O POVO, caderno “People”, coluna “Menu Político”.

Ilusração: Carlus

Ilusração: Carlus

Porta para a “gente diferenciada”
Plínio Bortolotti

Reclamamos desse nosso Brasilzinho, mas até que ele tem coisas boas. Por exemplo, existem muitas cidades e estados que fizeram lei específica proibindo a condomínios residencias estabeleceram a famigerada separação, obrigando os empregados domésticos – a grande maioria empregadas – a utilizarem somente o elevador “de serviço”.

Em São Paulo e Rio (e muitas outras cidades) existem leis que proíbem o apartheid nos elevadores, seguindo o espírito da Constituição, que veda discriminação. Assim, as empregadas têm garantido, legalmente, o mesmo direito da madame de subir e descer pelo elevador “social”.

Lembro esse aspecto em favor dos nossos legisladores, sempre tão vilipendidados, pois a Prefeitura de Nova York, dirigida pelo “progressista” Bill de Blasio, acaba de aprovar o projeto de um prédio residencial de luxo que terá uma “porta dos pobres”, como chamou West Side Rag, blog noticioso do bairro onde o edifício será construído. O New York Times classificou o projeto de “odioso” e até o jornal conservador New York Post considerou o negócio exagerado.

Seguinte: a “tendência” do urbanismo atual reza que o espaço das cidades tem de ser “misturado”, do ponto de vista de seu uso – trabalho, comércio, lazer, etc. -, teriam de estar à distância de uma caminhada das residências, como também propõe a convivência de diferentes classes sociais no mesmo espaço territorial dos bairros.

Devido a isso, suponho, a legislação da cidade de Nova York concede alguns benefícios – como redução de impostos e permissão para construir mais andares ou metros quadrados – quando o edifício garantir uma proporção de apartamentos a serem alugados a preços abaixo do valor do mercado a pessoas carentes.

Como não é só no Brasil que vige o “jeitinho” para dar um drible (ou uma trombada) na lei, os incorporadores novaiorquinos criaram uma arquitetura que põe junto, porém separados, ricos e pobres. Assim no endereço “40 Riverside”, no chique bairro Upper West Side, os dois mundos nunca se encontrarão: entradas serão em ruas opostas; elevadores e áreas sociais serão separados. O prédio terá 33 andares, 219 apartamentos, com 55 unidades menores, de aluguel subsidiado pelo governo. Os ricos terão vista do rio Hudson, as unidades da “gente diferenciada” estarão voltadas para a rua.

Parece cada vez mais próximo, se já não estamos nele, o mundo apavorante de Blade Runner, com os ricos se refugiando nos andares mais altos dos edifícios e a ralé ao rés do chão, onde impera a imundície e o caos; ou de Elysiun, em que os muito ricos vivem em uma estação espacial, parecida com um resort de luxo, depois que a Terra virou um lixão. Melhor, talvez, Zardoz, em que uma elite asséptica e privada de qualquer tipo de sentimento, confronta-se com um intruso, um “bruto”, porém, prenhe de paixões humanas.

Mas, meninos, para se lembrarem de Zardoz, vocês precisariam ter pelo menos 50 anos (um pouco mais, eu diria).

NOTAS

Fortaleza
Não sei se no Ceará ou Fortaleza têm lei que proíbe a discriminação em elevadores. Se não houver, aí está uma boa ideia para a Câmara de Vereadores e para a Assembleia Legislativa. É o tipo de lei para ser aprovada por unanimidade. Será?

Lei
O deputado Roberto Lucena (PV-SP) é autor de um projeto de lei, tramitando na Câmara dos Deputados desde 2011, tornando contravenção penal a discriminação nos elevadores, em todo o país. Ainda que no Brasil exista aquele negócio de lei que “pega” e lei que “não pega”, a própria existência dessa regulamentação já é deveras educativa.

Serviço
A lei não proíbe a existência de elevadores de serviço nos prédios. Porém, são reservados para transportes de objetos, em mudanças, por exemplo. Em Fortaleza alguns condomínios determinam que o elevador de serviço seja usado por quem chega molhado e melado de areia da praia, o que é razoável, desde que valha para todos.

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