Reprodução do artigo publicado na edição de 13/11/2014 do O POVO.

Ilustração: Hélio Rôla

Abuso em cascata: é justo?
Plínio Bortolotti

As instituições da democracia têm de ser preservadas independentemente das pessoas que a compõem. Entretanto os integrantes das instituições, principalmente os ocupantes dos cargos mais importantes , têm – ou deveriam ter – a obrigação de se comportar de acordo com as noções da ética e da decência, próprias das organizações a que servem Por isso, causa espanto quando alguns traem os seus mais sagrados princípios.

Assim, causa escândalo redobrado quando abusos sexuais são praticados por religiosos contra crianças, pois a missão da igreja é cuidar dos mais fracos e desprotegidos. Se um político, responsável pelas verbas públicas – que devem ser usadas em favor da comunidade -, as desvia em benefício próprio, isso, justificadamente, se transforma escândalo. (Em contrapartida, ninguém se surpreende quando um assaltante se dedica a roubar, pois está de acordo com o que se espera de um criminoso.)

Não é ilegal e muito menos crime, porém é espantoso que os ministros do Supremo Tribunal Federal tenham determinado o pagamento de “auxílio moradia” de R$ 4,3 mil – benefício que os ministros do STF já recebem – a todos os juízes e desembargadores que o pleitearem, funcionários públicos cujos salários superam a casa dos R$ 25 mil. Como um abuso leva a outro, já há casais de magistrados obtendo judicialmente o “direito” de receber o duplo pagamento do benefício.

O “efeito cascata” leva ainda a benesse aos conselheiros de tribunais de contas, Ministério Público e Defensoria Pública. O presidente do Tribunal de Contas do Ceará, Valdomiro Távora, justifica-se dizendo estar “cumprindo uma decisão do Supremo”. Ora, o decidido pelo STF não obriga a ninguém a receber o auxílio, basta não requerê-lo. Foi o que fez o procurador Gleydson Alexandre, que recusou-se a receber com uma pergunta: “Isso é justo?”
PS. Aposto que tem um monte de gente que vai receber o “bolsa moradia” críticando o Bolsa Família.

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