Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 27/12/2015 do O POVO.

Cícero, acusador de Catilina, ganhou a eleição com métodos heterodoxos
Plínio Bortolotti

Além da razia que vem promovendo contra políticos e empresários, a Polícia Federal (PF) resolveu também investir em cultura, ao batizar de “Catilinárias” a operação que deu um baculejo na casas de Eduardo Cunha (PMDB), o famigerado presidente da Câmara dos Deputados.

Logo, todo mundo virou especialista em Marcus Tullius Cicero, o tribuno que denunciou em discursos arrasadores seu inimigo Lucius Sergius Catilina, por este conspirar contra a República Romana. O conjunto de discursos, conhecido como “catilinárias”, é até hoje usado como exemplo de oratória, e de como desencadear a ação por meio de palavras.

Dois trechos do primeiro discurso, dos quatro que pronunciou contra Catilina, são repetidas à náusea para comentar – com ares de intelectualidade – qualquer assunto: muitas vezes utilizados por escribas sem inspiração, como este que voz fala.

“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos haverá de precipitar a tua audácia sem freio?” E a frase exclamação “Ó tempos, ó costumes!”

Porém, se Cicero apelava para os “bons costumes” ele mesmo não era atento observador deles. Isso, a se levar em conta a forma como foi eleito para o posto de cônsul, o cargo mais importante em Roma, nos idos dos anos 60 a.C.

Há algum tempo li uma carta escrita por Quintus Tullius dirigida a seu irmão Marcus Tullius Cicero, que se preparava para a disputa mais importante de sua vida, orientando-o como proceder para cabalar votos. A carta de Quintus ao irmão está reproduzida no livro Como ganhar uma eleição, da editora Edipro.

As técnicas para conquistar votos são mesmas utilizadas até hoje e, retirando-se a data, o manual poderia ser assinado por qualquer marqueteiro, desses que pululam por aí, que ninguém iria imaginá-lo tão antigo.

Tullius começa por dizer que o irmão candidato precisava cuidar bem das “relações pessoais” fazendo “pequenos favores” às pessoas certas e que deveria agir com um “camaleão”, adaptando a sua fala a cada indivíduos, mudando o discurso quando necessário.

“Prometa qualquer coisa a qualquer um”, pois “as pessoas preferem uma mentira conveniente a uma recusa direta”. E propõe uma campanha “cheia de vida e de espetáculo, que tanto atrai as massas”. E, lógico: “Também não fará mal se você lembrar o quão desqualificado são seus oponentes, acusando-os de crimes, escândalos sexuais e corrupção em que poderão estar envolvidos”.

Ao tempo em que recomenda promessas para o povo, o irmão marqueteiro não se esquece das elites: “Diga ao Senado que você vai manter os privilégios e poderes que tradicionalmente tiveram; deixe a comunidade de negócios e os mais ricos saberem que você é favorável à paz…”

Quintus lembra ao irmão que a política “é cheia de engodo, trapaça e traição” e recomenda que ele aprenda a “arte da bajulação”, que é “um negócio detestável na vida normal, mas essencial quando se é candidato a um cargo público”.

Tudo leva a crer que Cicero tenha seguido as prédicas do irmão, pois sendo um candidato “forasteiro” – não pertencente à aristocracia – acabou sendo eleito.

NOTAS

Opositor
A propósito, dois dos principais opositores de Cicero na disputa ao cargo de cônsul eram Antonius e Lucius Sergius Catilina, que, derrotado, passou a conspirar contra a República.

Catilina
O perfil que Quintus traça de Catilina, na carta dirigida ao irmão Cicero, é devastador. O adjetivo mais suave que ele dedica a Catilina é “desprezível”. Suspeito que os responsáveis pelo nome da operação da Polícia Federal  tenham lido o livro citado nesta coluna.

Nomes
No meu artigo de quinta-feira (24/12/2015), na editoria de Opinião, abordei o perfil de Catilina, conforme o via Quintus Tullius.

 

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