Reprodução da coluna “Menu Político”, publicada no caderno “People”, edição de 7 de fevereiro de 2016 do O POVO.

O americano e o português
Plínio Bortolotti

Por meio de um link no Twitter cheguei a um capítulo do livro Deve ser brincadeira, sr. Feynman, escrito por Richard P. Feynman (1918-1988), cientista americano, Prêmio Nobel de Física em 1965. Devido à sua personalidade alegre e expansiva, ele serviu de modelo hollywwodiano do cientista jovem e genial, que se tornou popular nos cinemas. Nos anos 1950, ele esteve no Brasil dando aula e trabalhando com cientistas pátrios. (Isso eu conto para vocês depois de pesquisar, pois também desconhecia Feynman e sua importância.)

O capítulo com o título “O americano, outra vez!” ele conta de maneira bem-humorada a sua passagem por esta terra brasilis, mais especificamente no Rio de Janeiro, depois de uma escala no Recife, onde viu um carro imbicado dentro de uma cratera: “Era maravilhoso: ele cabia direitinho, com seu teto no nível da estrada. Os trabalhadores não tinham se dado ao trabalho de sinalizar, e o cara tinha simplesmente caído no buraco. Percebi uma diferença: quando nós cavamos um buraco, haverá todo tipo de sinais e luzes para nos proteger. No Brasil, eles cavam um buraco e, quando acaba a jornada de trabalho, eles simplesmente vão embora”. (Mudou?)

Apesar dessa má impressão inicial, Feynman gostou demais do Brasil e das pessoas, aprendeu a tocar frigideira, desfilou em escola de samba e se deu bem no hotel em que ficou hospedado no Rio, onde aeromoças (na época ainda não se dizia “comissárias de bordo”) também ficavam.

Feinyman também conta como aprendeu o português e sua dificuldade inicial, pois conseguia falar, sem conseguir entender seu interlocutor. Porém, o interessante é a forma “simpática” e, ao mesmo tempo crítica, como vê alguns costumes no ambiente educacional e universitário.

Quando foi a um seminário, os cientistas que o antecederam falaram em inglês (trôpego, segundo Feynman, ao ponto de ele não entender). Na vez dele, mandou esta (dá até para ouvir a ironia na voz): “Desculpem; eu não havia percebido que a língua oficial da Academia Brasileira de Ciências era inglês, e por isso não preparei minha palestra em inglês. Então, por favor, desculpem-me, mas terei de fazê-la em português”. (Ele havia se aplicado e pedido ajuda de seus alunos para redigir a palestra no vernáculo.)

O próximo professor a tomar a palavra disse que iria “seguir o exemplo do colega dos Estados Unidos” e também fez a palestra em português. Todos os demais o seguiram. Feynman arremata: “Então, até onde sei, mudei a tradição da língua utilizada na Academia Brasileira de Ciências”. (Mudou o pensamento colonizado?)

Ele também estranha como o ensino brasileiro priorizava o professor, em vez do aluno. Feynman pergunta a um colega se os estudantes preferiam as aulas de manhã ou à tarde. “À tarde”, lhe responde: “Então vamos fazer à tarde”. “Mas à tarde a praia é boa”, diz o colega professor, sugerindo que ele dê as aulas de manhã para ficar com a tarde livre. (Mudou?)

O professor americano também fica chocado com com o sistema “decoreba” que imperava no ensino brasileiro, no qual os alunos eram treinados para repetir o que estava nos livros ou era dito pelo professor, sem ter aprendido nada. “Eles (os estudantes) podiam passar nas provas, ‘aprender’ essa coisa toda e não saber nada, exceto o que eles tinham decorado”. (Mudou?)

NOTAS

Frigideira
É muito divertido ler os trechos em que Feynman conta como se interessou pelo português nos Estados Unidos: ao ver uma bela mulher entrar na sala de aula. E depois, no Brasil, suas peripécias para aprender a tocar frigideira e participar de uma escola de samba, que desfilou por Copacabana.

Livro
Feynman também trabalhou no projeto Manhattan, que construiu a bomba atômica nos Estados Unidos. Nos outros capítulos do livro, Feynman relata debates com Albert Einstein e Niels Bohr sobre a física atômica e também fala sobre jogos de azar.

Créditos
Conheci o livro Deve ser brincadeira, sr. Feynman devido a um post no Twitter de Jonny Ken Itaya: @jonnyken. O capítulo aqui comentado pode ser visto neste link.

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