Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 21/8/2016 do O POVO.

Crescer destruindo a Terra ou decrescer para ser feliz?

Confesso que nunca havia visto alguém defender o decrescimento da economia até ouvir, via rádio Senado, um discurso do senador Cristovam Buarque, em outubro de 2009. Ele dizia que, na Europa, já se disseminava o conceito de “decrescimento feliz”, defendendo que a produção material não deveria ser o único modo de aferir o bem-estar das pessoas.

A partir do interesse pelo tema, cheguei ao livro “Pequeno tratado do decrescimento sereno”, do economista francês Serge Latouche. Para ele, “o crescimento infinito é incompatível com um mundo finito”, acrescentando: “Estamos a bordo de um bólido sem piloto, sem marcha a ré e sem freio, que vai se arrebentar contra os limites do planeta”.

Pois bem, a cada ano, a Global Footprint Network, uma organização internacional que calcula o chamado “Dia da Sobrecarga da Terra”, mostra que essa marca é atingida cada vez mais cedo. A conta mostra o quanto já se usou de recursos da natureza a mais do que a Terra é capaz de repor a cada ano.

Neste ano de 2016, a marca foi atingida no dia 8 de agosto. Ou seja, os terráqueos ficaram devendo quatro meses para a Mãe Terra. É como se alguém tivesse R$ 100 mil para gastar o ano inteiro, mas o dinheiro acabasse no início de agosto. Ou seja, será obrigado a sacar a descoberto ou a entrar no cheque especial.

Essa marca fatal vem chegando cada vez mais cedo. No primeiro estudo, de 1990, a data da “sobrecarga” foi 7 de dezembro, depois, veio caindo: 2005 (20 de outubro) e, ano passado, em 13 de agosto. Tudo indica que a marca vai continuar despencando. Atualmente, a humanidade consome os recursos equivalentes a 1,6 planeta. Se todos os povos do mundo vivessem como os alemães, seriam necessários 3,1 planetas; se a vida fosse como nos Estados Unidos somente 4,8 Terras dariam conta do consumo humano.

É nesse contexto que cada vez surgem mais vozes para defender outra forma de desenvolvimento, em que os recursos naturais fossem poupados com mais intensidade, estabelecendo-se outras formas de medir a riqueza de um país, que não somente pelo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Mas como fazer isso?

Para o professor Reinhard Loske, da Universidade de Witten/Herdeck (Alemanha), outros aspectos deveriam ser levados em consideração para se avaliar a qualidade de vida de um país: a salvaguarda do meio ambiente, saúde, educação e participação social, gerando o que ele chama de “indicadores alternativos”. Para o professor, não é nos países ricos que as pessoas são mais felizes, “mas onde é possível tirar muita felicidade a partir de poucas coisas materiais”. Loske diz ser preciso “abandonar a pura fixação por crescimento e partir para um desenvolvimento sustentável e social-inclusivo”.

Loske defende que os países industrializados diminuam o consumo de energia e reduzam o uso de superfícies de terra de 80% a 90% nas próximas duas ou três décadas. Isso daria a oportunidade para o desenvolvimento econômico dos países mais pobres. “Os países ricos precisam dar menos importância ao crescimento econômico e se alinhar mais à sustentabilidade”.

Já os países emergentes e em desenvolvimento, diz Loske, não deveriam incorrer no mesmo erro dos países industrializados, ou seja, manter um modelo de desenvolvimento pautado no uso de recursos naturais e de energia não renovável, “que, no longo prazo, não é sustentável”.

No artigo da semana passada, “O universo privatizado” falei da empresa Mars-One, que pretende criar uma colônia humana em Marte, até 2022. Ou seja, parece que há mais preocupação em se escapar do problemas – que podem ser resolvidos na Terra -, levando o mesmo modelo destrutivo de desenvolvimento a outros planetas.

NOTAS

Brasil
O professor Reinhard Loske cita várias vezes o Brasil na entrevista que ele concedeu à Deutsche Welle (DW), de onde reproduzi as informações. Uma de suas afirmativas: “Meu conselho (ao Brasil) seria abandonar essa pura fixação por crescimento e partir para um desenvolvimento sustentável e social-inclusivo”.

Créditos
DW: Humanidade esgota recursos da Terra em 2016 e Brasil precisa abandonar a pura fixação por crescimento; Blog Plínio: Senador Cristovam Buarque defende o ‘decrescimento feliz’ e Pequeno tratado do decrescimento sereno, de Serge Latouche.

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