Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição do O POVO de 19/2/2017.

Movimento “devagar” chega às notícias

Há dez anos um livro chamou-me a atenção enquanto flanava por uma livraria existente no subsolo do Shopping Aldeota. A capa, de amarelo chamativo, trazia o desenho de um triângulo vermelho (imitando a placa de trânsito) e dentro dele o título “DEVAGAR – Como um movimento mundial está desafiando o culto da velocidade”, finalizando com o desenho de uma tartaruga. O título em inglês é “In praise of slow” (algo como “elogio à lentidão”), livro do jornalista escocês Carl Honoré.

Honoré, que achava curto o dia de 24 horas, incapaz de ficar sem fazer nada por alguns minutos – correndo pra cima e pra baixo como exige a profissão -, esperava impaciente na fila de um aeroporto, quando lhe pareceu haver encontrado a solução para recuperar o tempo que o filho lhe tomava antes de dormir. Divisou em um jornal exposto no saguão o título: “A história para fazer dormir em um minuto”, a respeito de um livro que prometia entregar a pais desesperados o resumo de contos de fada clássicos para leitura em 60 segundos, garantindo o efeito soporífero para crianças insones.

Antevendo os “benefícios”, o jornalista se preparou para comprar os volumes disponíveis, quando o seu pisca-alerta disparou: estava tentando se livrar do filho para ter mais tempo para cumprir mais e mais tarefas a cada hora do dia.

Foi quando resolveu fazer uma revisão de suas prioridades e voltou-se à pesquisa do movimento “slow” (devagar). Quando se fala desse movimento, a maioria lembra-se do “slow food”, um modo de preparar e comer as refeições de forma tranquila. No entanto, Honoré viajou a vários países para mostrar que o movimento “slow” alcança várias outras áreas, como medicina, trabalho, lazer e sexo, este de modo a fruí-lo com menos pressa e mais intensidade, quem sabe, subjetivamente.

Quando Honoré escreveu o livro, a presença da internet na vida das pessoas era bem menor em relação aos dias atuais, por isso, o assunto não deve ter merecido um capítulo.

Mas existe gente pensando no tema: alguns especialistas estão sugerindo uma “dieta” de mídia como forma de enfrentar o bombardeio de notícias a que as pessoas estão submetidas. Segundo reportagem do The New York Times é como se vivêssemos dentro de um “supercolisor de notícias”, o que estaria levando algumas pessoas ao afastamento de textos noticiosos ou à redução de seu consumo.

Segundo o jornal, especialistas ainda não têm dados seguros para concluir se os consumidores vêm mudando seus hábitos de leitura para proteger a saúde mental, mas reconhecem que o “ecossistema de notícias” mudou “drasticamente” nos últimos cinco anos.

Dan Gillmor, professor de Jornalismo da Universidade Estadual do Arizona, está defendo o “movimento devagar” também para as notícias. Para ele, os jornalistas deveriam estar mais envolvidos no gerenciamento do “fluxo insano” de informação e desinformação. “Seria melhor uma abordagem do tipo: ‘Acalme-se’”, diz ele.

O debate me fez lembrar da fábula de Esopo, “O coelho e tartaruga”, na qual os dois disputam uma corrida e a tartaruga vence. Moral da história: “O lento, mas constante, vence a corrida”.

Mas, em se tratando de notícias, o melhor talvez seja nem tão rápido e nem tão devagar. A medida é aquela que permita às pessoas processarem a notícia e delas tirarem as informações necessárias para orientarem as suas decisões.

NOTAS

Primeiro ou melhor?
Muitos de meus colegas jornalistas consideram-me “conservador” quando se trata de estabelecer critérios jornalísticos. Sempre defendi que, melhor do que dar a notícia em primeiro lugar, é entregá-la de forma bem apurada ao leitor.

“Verdade em construção”
Chegou-se a formular uma “teoria” da “verdade em construção”. Isto é, vai-se publicando despreocupadamente nos meios eletrônicos e, no decorrer do acontecimento, corrigem-se os erros da má apuração. Pode-se divulgar uma notícia incompleta na rede, mas a parte publicada tem de corresponder à realidade.

Crédito
The New York Times: Especialistas sugerem como ajustar sua dieta de mídia.

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