Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião do O POVO, edição de 3/5/2018.

Jogada de mestre dá errado

Na resenha que mantenho diariamente com meu colega Guálter George, na qual trocamos impressões sobre temas políticos, costumo sustentar a tese que um político, ao assumir um cargo poderoso, perde completamente o senso da realidade.

Vejam o presidente (seja qual for): ele não  precisa preocupar-se com as coisas comezinhas, como ir a um supermercado, dirigir um carro ou chamar um táxi (muito menos usar o transporte coletivo) e nem pagar conta nenhuma, pois vive à custa do erário. Habita uma espécie de mundo mágico, em que as coisas se materializam como por encanto.

Ao ser perguntado do que mais sentia falta de seu período na Presidência, Fernando Henrique Cardoso deu uma resposta bem-humorada, entre a ironia e a literalidade, porém certeira: “Quando eu era presidente eu não precisava abrir nenhuma porta”. É isso.

Somente a perda do sentido da realidade pode explicar por que um presidente com 70% de rejeição resolve ir até o lugar do desabamento de um prédio, ocupado pelos mais pobres entre os pobres. O segmento que mais perdeu em seu governo, seja com aumento pífio de salário mínimo, com a reforma trabalhista ou pelo corte de programas sociais. Temer foi escorraçado, reação facilmente previsível por qualquer pessoa que olhasse através das janelas do Palácio do Planalto sem óculos cor-de-rosa.

De acordo com a colunista Andréia Sadi (G1) a ideia foi do marqueteiro Elsinho Mouco, que parece também não enxergar. Segundo a sua brilhante jogada de marketing, Temer teria a oportunidade mostrar que pode sair às ruas, ao contrário do que dizem seus críticos (e quem sabe sair carregado nos braços do povo?). Só que não. Nem um inimigo faria melhor trabalho de contrapropaganda. O presidente foi chamado de “golpista”, xingado e precisou ser protegido de uma chuva de objetos atirados em sua direção.

Ao tentar se explicar, Temer  disse que está sendo criticado por ter ido ao local do desabamento; caso não tivesse ido, queixou-se, a imprensa estaria fazendo o “reverso”. Mas afinal – é preciso perguntar -, a quem o presidente queria confortar: a imprensa ou os desabrigados?

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