Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, jornal O POVO, edição de 8/11/2018.

Mister Hide e Dr. Jekill

Feliz como “um jovem universitário recebendo o diploma”, foi como o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou-se para a entrevista coletiva a jornalistas, em Curitiba. Sorriu e permitiu-se algumas brincadeiras, talvez tentando desfazer a aparência sisuda que o acompanhou no período em que liderou a Operação Lava Jato.

Sempre educado, buscou edulcorar a imagem de Jair Bolsonaro, classificando-o como uma “pessoa bastante ponderada”. Quando lembrado do destampatório verbal do presidente eleito em relação a mulheres, gays e negros, Moro revelou-se rápido no aprendizado para livrar-se de perguntas incômodas: “Há uma situação de declarações pretéritas, nós estamos olhando para o futuro”.

No início da entrevista gastou um bom tempo justificando a sua opção por deixar a magistratura para assumir um cargo, que ele diz ser técnico, mas é político. Ao mesmo tempo, defendeu-se da acusação de ter condenado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por critérios outros que não os da Justiça.

De positivo foi o fato de Moro, ao contrário de seu chefe, ter-se disposto a dar explicações públicas sobre as propostas para a pasta que vai comandar, sem impor veto a jornais ou a jornalistas. No entanto, não ousou contrariar o presidente eleito em temas delicados, como facilitação do porte de armas, redução da maioridade penal e o enquadramento de atos de movimentos sociais como terrorismo.

Moro também amainou sua crítica à ditadura civil-militar, que classificara anteriormente como “erro”. Quando questionado, voltou a falar em “futuro”, dizendo não ver a discussão como “salutar nesse momento”.

Diferentemente de Bolsonaro, Moro procura dar um tom neutro às suas declarações, cuja linguagem parece abrandar o fato a que se refere, por mais grave que seja. Talvez o juiz, com sua amabilidade estudada, seus ternos bem cortado e seu discurso monocórdico, tenha sido convidado para dar certo verniz civilizatório ao novo governo e à própria imagem truculenta do presidente eleito, porém sem alterar-lhe a essência.

Assim, diferentemente do que acontece no famoso livro, é Mister Hide quem cria uma espécie de “fake” do dr. Jekill, apenas para encobrir as aparências.