Reprodução do artigo publicado no O POVO, editoria de Opinião, edição de 15/11/2018.

No limite

Existem frases que marcam simbolicamente determinados períodos, ainda que não representem a completude fato, como de resto, nenhum relato seria capaz.

Em 1986: “Agora o povo é o presidente e o presidente é o povo”, apelo de José Sarney para que cada cidadão fiscalizasse os preços em supermercados para evitar que o congelamento, imposto pelo Plano Cruzado fizesse água, como viria a fazer.

Fernando Collor, à beira do impeachment, lançou uma súplica aos brasileiros: “Não me deixem só”. Ninguém o socorreu; caiu em 1992.

“Estamos no limite da irresponsabilidade” (1998), de Ricardo Sérgio, diretor da área internacional do Banco do Brasil, quando o governo FHC privatizou as companhias telefônicas. Período depois tachado como “privataria tucana”.

Romero Jucá (presidente do MDB) conspirando por um pacto nacional “com supremo, com tudo (para) estancar a sangria (da Lava Jato)”, nas articulações que derrubariam a presidente Dilma Rousseff, levando Michel Temer à Presidência.

Do ex-presidente Lula, quando se viu abandonado pelas elites, que ele pensava haver amansado: “Nunca eles (empresários e banqueiros) ganharam tanto dinheiro na vida como ganharam no meu governo”. Acabou na cadeia.

A mais nova contribuição neste âmbito é do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Em entrevista à Folha de S. Paulo (11/11/2018), ele também disse ter agido “no limite” (da irresponsabilidade?) ao postar no Twitter seu “repúdio à impunidade”, avisando que o Exército mantinha-se “atento às suas missões institucionais”, na véspera do julgamento de um habeas corpus no STF, que poderia libertar Lula. A soltura do ex-presidente, entendia o general, poderia fazer “a coisa” fugir do controle, “porque outras pessoas, militares da reserva e civis” estavam se “pronunciando de maneira mais enfática”. Referência ao setores que preconizavam um golpe na democracia.

A questão é se o general se vê nessa “narrativa” como um salvador da pátria (à nossa revelia) ou como um comandante sem controle sobre a tropa. O fato é que ele tomou uma decisão crucial sem ao menos consultar o comandante Supremo das Forças Armadas, o presidente da República. De qualquer modo, inaceitável em uma democracia. A ver como serão os desdobramentos.

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