Recentemente em comentário no programa Revista O POVO/CBN, apresentado por Maísa Vasconcelos, sobre a situação política na Bolívia, disse que as manifestações no país vizinho decorriam do “pecado original” do presidente Evo Morales, agora renunciante. Esse problema foi o ânimo de se aferrar ao poder a qualquer custo, independentemente dos sinais que recebia que já havia cansaço com seus seguidos mandatos, desenhando-se um claro desejo de mudança.

Evo, o primeiro líder indígena a governar seu país, foi um presidente que deu estabilidade política à Bolívia. Criou um modelo em que empresas estatais convivem com empresas privadas, fez a economia crescer no ritmo de 5% ao ano nos últimos 14 anos – o maior crescimento da América do Sul. Entre 2005 e 2015 a pobreza recuou de 59,6% para 38,6% e a extrema pobreza caiu de 36,7% para 16,8%. Além disso, aumentou a participação dos indígenas na economia, propiciando ascensão social desse segmento sempre marginalizado dos bolivianos. 

O que aconteceu então?

Primeiro que a melhoria nas condições de vida leva a novas reivindicações. Lembremo-nos das manifestações no Brasil em 2013.

Depois, há uma espécie de “corrosão do material”, que serve durante alguma tempo, mas depois exige reformas, pois começa a haver uma natural degradação.

Morales assumiu seu primeiro mandato em 2006; uma mudança constitucional em 2009 permitiu a reeleição presidencial para mais dois mandatos, de cinco anos cada um, tendo ele concorrido e vencido as eleições em 2010 e 2014. Em 2016, foi convocado um plebiscito para mudar novamente a Constituição para permitir que ele concorresse a um quarto mandato.

A consulta foi desfavorável a Morales: 51,3% dos bolivianos votaram pelo “não”. Inconformado, ele recorreu ao Tribunal Constitucional com o esdrúxulo argumento de que impedi-lo de concorrer seria “violação dos direitos humanos”, porém a tese estravagante saiu vencedora na Corte.

O restante é mais ou menos conhecido. Morales candidatou-se, houve denúncias de fraude nas eleições, e os protestos começaram. Tentando salvar os dedos, Morales aceitou auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA), que confirmou as irregularidades, e convocou novas eleições.

No entanto, a lógica infernal das ruas já estava em movimento – e quando isso acontece, é difícil deter o turbilhão.

O que muitos política ainda não entenderam é que, por melhor que seja o governo ele tende a desgastar-se e as fissuras começam a ficar aparentes. Os mandatários – de esquerda ou conservadores – parecem ser os últimos a notar o que está acontecendo e insistem em aferrar-se ao poder. Acordam somente quando a água está lhes batendo nos fundilhos e tomam providência quando lhes chega ao nariz. Quando isso acontece, a saída tende a ser humilhante. Sendo esportistas ou políticos, são raros os que percebem momento de ir embora, no auge, como fez Pelé, por exemplo.

Morales teve a oportunidade de deixar o poder como um dos mais destacados líderes da América Latina. É ainda jovem e poderia, em qualquer outra ocasião, voltar a concorrer à Presidência, mas preferiu escolher um descaminho. Saiu pela porta dos fundos.

No mais, é preocupante o “pronunciamento” das Forças Armadas, “sugerindo” a renúncia de Morales. É de se cuidar para que não se torne moda na América Latina.

Registre-se também como inaceitáveis as agressões físicas violentas contra os partidários de Morales. Independentemente de quem assuma o poder nesse período conturbado, fica com a obrigação de protegê-los.