Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 16/4/2020 do O POVO.

O vírus e o novo mundo

Tornou-se lugar comum afirmar que, ao fim da crise do coronavírus, encontraremos uma sociedade transformada. O virologista Atila Iamarino, cruzando ciência e filosofia, tornou-se umas das vozes mais ouvidas sobre o assunto. Para ele, as pessoas que pedem o fim do isolamento querem voltar a “um mundo que não existe mais”.

Em recente entrevista, o jornalista americano Thomas Friedman disse ter aprendido uma coisa na profissão: nunca começar uma notícia ou artigo com a frase “o mundo nunca mais será o mesmo”. No entanto – em aparente contradição – ele diz que passaremos a separar as eras como AC (antes do coronavírus) e DC (depois do coronavírus).

Filósofos do mundo inteiro abordam o assunto em artigos e palestras, muitas vezes com posições antagônicas. É o caso do esloveno Slavoj Zizek (o “filósofo pop”) e do sul-coreano Byung-Chul Han. O site chileno “lapeste.org” montou um quadro, a partir de textos de ambos, mostrando como eles veem a situação.

Enquanto Zizek afirma que a pandemia “deu um golpe mortal no capitalismo”, Byung-Chun anota que “depois da pandemia o capitalismo continuará com mais força.

O esloveno preconiza uma nova era de solidariedade planetária, uma espécie de novo “comunismo”. Que surgirá, diz ele, não por idealismo, mas por um ato racional, pois a cooperação é o único modelo que “poderá nos salvar”. Porém, Byung é pessimista. Ele afirma que a crise não vai gerar nenhum sentimento de coletividade forte, pois cada um tem como preocupação a própria sobrevivência. E continua: seguirá uma era de regimes autoritários, pois pandemia fez com que os cidadãos passassem a concordar com maior vigilância digital, permitindo o controle policial por parte do Estado. Por fim Byung expõe que o capitalismo não entrará em colapso por um vírus e sim por uma “revolução humana”.

Nesse aspecto, talvez o esloveno concorde com o colega sul-coreano, pois todas as mudanças no mundo são feitas pelos homens. O que o vírus fez foi trazer à luz do sol todas as contradições de um regime que produz cada vez mais desigualdade e milhões de seres humanos considerados descartáveis.

O que surgirá a partir daí é uma equação aberta.