Digitalizar0004Nós aprendemos a conhecer Cristo de modo particular através dos missionários cristãos, e foi, muitas vezes, seu modo de ser cristão que nos escondeu Cristo. Até hoje eles têm procurado destruir nossas práticas religiosas com sua doutrina, forçando-nos a combatê-los para nos defendermos. Quando o homem luta, ele não é isento nos julgamentos. Assim nós, todos envolvidos pelo combate, ao golpear os cristãos, golpeamos também Cristo. E pensar em golpear como inimigos os grandes homens da terra é um suicídio. Na realidade, demonstrando o ódio pelo inimigo, estamos envilecendo os grandes ideais de nosso país, estamos nos apequenando.

Rabindranath Tagore 

[Tagore, Rabindranath. O Cristo. Tradução de Jairo Veloso Vargas. – São Paulo: Paulinas, 1997, p. 14. – (Coleção: Sabedoria).]

Na Apresentação escrita para servir de introdução ao livro O Cristo, uma antologia de escritos do poeta indiano Rabindranath Tagore dedicados ao Mestre da Galiléia, o padre italiano Marino Rigon, missionário xavieriano radicado em Bangladesh, afirma: “A espiritualidade de Tagore, homem e poeta atraído por toda forma e valor não material, é um argumento muito vasto e complexo para poder ser enfrentado num estudo rápido” (p. 5). E, mais adiante, completa, referindo-se à espiritualidade do poeta bengalense:

Falando de si mesmo em A Religião do homem, uma coletânea de conferências por ele proferida em 1930, Tagore diz que a sua procura de Deus passa pela sensibilidade de um poeta, não de um teólogo. Religião e

Rabindranath Tagore

poesia seguiram o mesmo percurso; o artista e o homem de fé procuraram juntos, por caminhos paralelos. “Minha vida religiosa seguiu a mesma linha misteriosa de crescimento da minha vida poética, por caminhos não sinalizados. São como marido e mulher e, se bem que tivéssemos tido um longo período de noivado, eu não me apercebi. Por muito tempo não compreendi”. A poesia de Tagore foi, por isso, quase o registro de sua experiência religiosa (p. 8).

De fato, é difícil, quase impossível, resumir em poucas palavras toda a riqueza da espiritualidade de Tagore, a menos que aceitássemos correr o risco de, ao final, ao invés de um texto, ter diante de nós um grande tratado de espiritualidade. Meu interesse pela poesia – e, por via de consequência, pela história de vida -, do poeta nascido um século antes de mim em Calcutá, na Índia, brotou quando li pela primeira vez seu livro intitulado Gitanjali. Nesse livro, está expressa toda a mística de Tagore. A ânsia por Deus pulula em cada palavra, em cada verso. Depois que o li, lancei-me em busca de outras obras do poeta. Também procurei me informar sobre sua biografia, pois a forma como ele fala de Deus, anelo maior de sua incansável busca, faz eco muito profundo em mim, também um buscador ainda a caminho.  

Rabindranath Tagore nasceu em Calcutá, em 1861, e faleceu em Santiniketan, Bengala, em 1941. Foi músico, poeta, contista, teatrólogo e filósofo. Em 1901 fundou uma escola superior de filosofia em Santiniketan, transformada em Universidade em 1921. Em 1913 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.    

Tagore foi um homem de larga visão, e sua espiritualidade jamais se restringiu aos limites de uma única religião. Seu coração era  amplo o suficiente para reconhecer Deus em diferentes manifestações religiosas. Coube ao padre católico Marino Rigon organizar uma antologia de escritos, os quais foram selecionados e traduzidos por ele diretamente do idioma bengali, dedicados pelo poeta a Cristo e ao cristianismo. Provavelmente um dos mais belos tributos prestados ao cristianismo se encontra nas palavras escritas por Tagore em 24 de janeiro de 1941. Diz o poeta:

O cristianismo prestou grande homenagem ao homem porque aquele que os cristãos adoram ligou-se à condição humana fazendo-se homem. Por isso, percebemos que aqueles que são verdadeiramente cristãos espalharam por todo o país o amor para com o homem.

Se ainda, algumas vezes, pensamos que em sua doutrina há algo de imperfeito, reconhecemos, no entanto, que esta religião soube unir a humanidade pelo menos em um ponto: na dedicação ao próximo. E isso é o mais elevado reconhecimento para uma religião. Encontrei verdadeiramente uma humanidade maravilhosa onde via a grandeza dessa religião, seja nas obras literárias, seja no comportamento das pessoas. Ali verdadeiramente não há mais pobreza, mas uma cortesia magnífica que resplandece além das controvérsias e dos interesses pessoais (p. 60/61).   

Laura Santoro Ragaini, num ensaio sobre Tagore publicado em adendo ao livro O Cristo, afirma: “Bisso Kobi, Poeta Universal, chamam-no na pátria. É o título que ainda hoje melhor lhe assenta” (p. 96). Na próxima semana, postarei neste blog mais um texto dedicado ao grande Mestre-poeta Rabindranath Tagore, o qual terá como fundamento as poesias de Gitanjali.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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