Lira Neto
[Neto, Lira. Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 23].
Quando soube que o Lira Neto estava escrevendo a biografia do padre Cícero, fiquei torcendo para que o projeto fosse logo concluído e o livro chegasse às livrarias. Adquiri o livro no dia 23 de dezembro e, no dia 25, iniciava a leitura. Foi começar e não conseguir mais largar. Nos dias seguintes, às cinco horas da manhã já me encontrava de pé, fazendo café para, logo a seguir, retomar a leitura, que eu concluiria no dia 30 pela manhã.
Tudo concorre para fazer do livro uma obra que prende o leitor do começo ao fim. Não bastasse o fascínio que exerce a figura do biografado, Lira Neto com muita perspicácia e propriedade se aproveita de alguns fatos da vida do padre Cícero para imprimir à narrativa uma sequência que, em alguns momentos, ganha quase ares de romance policial, se é que me permitem o exagero. Um destes fatos, que, aliás, perpassa a narrativa ao longo de vários capítulos, é o do sumiço dos lencinhos manchados de sangue devido aos supostos milagres protagonizados pela beata Maria de Araújo. Depois de relatar o fato, os tais lencinhos aparentemente são esquecidos. Quando menos se espera, lá estão eles mais uma vez roubando a cena.
Aliás, a propósito de Maria de Araújo o autor faz uma afirmação que me pegou de surpresa. Diz ele: “Aquela mulher, com sua linguagem simples e de poucos recursos retóricos, recitou uma ladainha infinda, um vasto repertório de relatos pessoais a respeito de visões, aparições divinas, revelações e profecias que teriam sido recebidas por ela diretamente do Além. Eram tantas e tão indescritíveis as graças alegadas pela beata que, caso fossem creditadas como legítimas pelo clero, por certeza viriam a igualar Maria de Araújo a outras místicas famosas do catolicismo, como Ana Catarina Emmerich ou Teresa de Ávila, consideradas luminares da cristandade” (p. 113).
Fiquei realmente surpreso com a insinuação de Lira Neto a propósito de um possível paralelo entre as duas grandes místicas católicas e a beata. Ponderando sobre a questão, e repassando alguns episódios da vida de santa Teresa de Ávila narrados por ela em alguns de seus livros, me ocorreu que o assunto se prestaria muito bem a um trabalho mais aprofundado. Isso me fez lembrar alguns episódios da vida de Santa Teresa, como aquele em que ela vê um crucifixo cravejado de diamantes. Sua luta para convencer os confessores da realidade da visão constitui uma das passagens mais pungentes da vida da santa.
Para concluir, devo dizer que Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão é um livro encantador, que prende o leitor da primeira à última palavra. Nele é narrada a história de vida de uma figura tão contraditória quanto extraordinária: o Padim Ciço do Juazeiro.