A palavra é como o sol. Todos os homens obtêm calor e vida a partir dele, e o sol está sempre presente aquecendo o mundo e os homens. Eles não sabem que continuam vivos por causa dele. Mas quando, através de uma expressão, queres protestar, queres o bem, queres o mal, a palavra surge e o sol se mostra; o sol do firmamento brilha continuamente, mas só distinguimos seus raios quando refletem sobre uma superfície. Dessa forma também, os raios do sol da palavra não surgem enquanto não são expressos através de letras e de sons. Apesar de existir eternamente – o sol é sutil e Ele é sutil (Corão, VI, 103) – é preciso que tenha densidade para que se manifeste e seja visível.

Rumi

[Jálál al-Din Rumi, Mawláná. Fihi-ma-fihi: o livro do interior. Tradução Margarita Garcia Lamelo. – Rio de Janeiro: Edições Dervish, 1993, p. 261. A partir da tradução francesa do original persa de Eva de Vitray-Meyerovitch.]

O sufismo denota um movimento místico surgido no seio do islamismo no século VIII e que se desenvolveu especialmente na Pérsia. A palavra sufi designa o capote de lã grossa usado por pobres e ascetas e logo adotado pelos primeiros praticantes dessa doutrina. Um dos maiores legados islãs para a humanidade foi, seguramente, os ensinamentos de alguns representantes desta tradição religiosa. Mawláná Rumi (1207-1273), fundador da Ordem dos Dervixes Dançantes, sobressai como um dos maiores mestres e poetas sufi.

Uma parte dos ensinamentos de Rumi foi compilada no livro intitulado Fihi-ma-fihi, ou O livro do interior. O livro é composto por 71 textos ao longo dos quais o Mestre aborda assuntos os mais diversos, a maioria exposta em forma de diálogos, pois se tata de conversas e discussões entre ele e seus discípulos.

Um dos mais belos é aquele em que o Mestre trata da palavra. A palavra, para que seja expressa, precisa de um meio, que Rumi chama de intermediário. Esse intermediário é o ato da fala. Falar, portanto, conclui, é um meio da palavra. O surpreendente, porém, está na afirmação de que, embora falar seja o meio pelo qual a palavra se manifesta, isso não constitui, entretanto, uma condição para que a palavra exista. Isso porque a “palavra”, afirma Rumi, “está perpetuamente em ti, quer a pronucies ou não” (p. 262).

Na verdade, o homem tende para o silêncio, aquele grande silêncio do encontro com Deus quando tu afinal cala, tudo silencia, restando apenas aquela perfeita comunhão à qual sempre se referem os grandes místicos e iniciados. É isso que leva Rumi a afirmar, concluindo com um paradoxo, pois, quer admitamos quer não, o discurso sobre Deus sempre desemboca no paradoxo:

“O homem passa por três estados. No primeiro, ele não se preocupa com Deus, ele adora e serve a todos, mulher, homem, bens, crianças, pedra, barro, mas não adora a Deus. Em seguida, quando adquire certo conhecimento e informação, ele só serve a Deus. Depois, quando avança nesse estado, ele se cala; ele não diz: ´Eu não sirvo a Deus´, nem: ´Eu sirvo a Deus´. Ele está além desses dois estados. Desses homens, nenhuma voz ecoa neste mundo. Teu Deus não está presente, nem ausente, pois Ele é o Criador da presença e da ausência” (p. 262).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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