Rumi
[Jálál al-Din Rumi, Mawláná. Fihi-ma-fihi: o livro do interior. Tradução Margarita Garcia Lamelo. – Rio de Janeiro: Edições Dervish, 1993, p. 261. A partir da tradução francesa do original persa de Eva de Vitray-Meyerovitch.]
O sufismo denota um movimento místico surgido no seio do islamismo no século VIII e que se desenvolveu especialmente na Pérsia. A palavra sufi designa o capote de lã grossa usado por pobres e ascetas e logo adotado pelos primeiros praticantes dessa doutrina. Um dos maiores legados islãs para a humanidade foi, seguramente, os ensinamentos de alguns representantes desta tradição religiosa. Mawláná Rumi (1207-1273), fundador da Ordem dos Dervixes Dançantes, sobressai como um dos maiores mestres e poetas sufi.
Uma parte dos ensinamentos de Rumi foi compilada no livro intitulado Fihi-ma-fihi, ou O livro do interior. O livro é composto por 71 textos ao longo dos quais o Mestre aborda assuntos os mais diversos, a maioria exposta em forma de diálogos, pois se tata de conversas e discussões entre ele e seus discípulos.
Um dos mais belos é aquele em que o Mestre trata da palavra. A palavra, para que seja expressa, precisa de um meio, que Rumi chama de intermediário. Esse intermediário é o ato da fala. Falar, portanto, conclui, é um meio da palavra. O surpreendente, porém, está na afirmação de que, embora falar seja o meio pelo qual a palavra se manifesta, isso não constitui, entretanto, uma condição para que a palavra exista. Isso porque a “palavra”, afirma Rumi, “está perpetuamente em ti, quer a pronucies ou não” (p. 262).
Na verdade, o homem tende para o silêncio, aquele grande silêncio do encontro com Deus quando tu afinal cala, tudo silencia, restando apenas aquela perfeita comunhão à qual sempre se referem os grandes místicos e iniciados. É isso que leva Rumi a afirmar, concluindo com um paradoxo, pois, quer admitamos quer não, o discurso sobre Deus sempre desemboca no paradoxo:
“O homem passa por três estados. No primeiro, ele não se preocupa com Deus, ele adora e serve a todos, mulher, homem, bens, crianças, pedra, barro, mas não adora a Deus. Em seguida, quando adquire certo conhecimento e informação, ele só serve a Deus. Depois, quando avança nesse estado, ele se cala; ele não diz: ´Eu não sirvo a Deus´, nem: ´Eu sirvo a Deus´. Ele está além desses dois estados. Desses homens, nenhuma voz ecoa neste mundo. Teu Deus não está presente, nem ausente, pois Ele é o Criador da presença e da ausência” (p. 262).