São Francisco recebe os estigmas. Pintura de El Greco

Querendo, então, o Senhor mostrar o amor que tinha para com ele, imprimiu em seus membros e em seu lado os estigmas de seu diletíssimo Filho. E porque o servo de Deus, Francisco, desejava ir à sua

casa e ao lugar de habitação de sua glória (Sl 25,8), o Senhor o chamou a si, e assim ele migrou gloriosamente ao Senhor. Depois disso, apareceram muitos sinais e milagres no meio do povo, pelos quais os corações de muitos homens, que eram duros em crer nas coisas que o Senhor se dignara mostrar em seu servo, se transformaram em brandura, dizendo: Nós, insensatos, julgávamos a sua vida uma loucura e sem honra a sua morte. Eis que foi contado entre os filhos de Deus, e entre os santos está a sua sorte (Sb 5,4-5).

 

Anônimo Perusino

[Fontes Franciscanas e Clarianas. Apresentação Sergio M. Dal Moro; tradução Celso Márcio Teixeira… [et. al.]. 2ª. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, nota 2, p. 787.]   

Há alguns, dias postei neste blog um texto sobre santa Teresinha do Menino Jesus no qual eu falava da loucura da cruz. Hoje posto um outro texto que trata do mesmo tema, desta feita, no entanto, tendo como referência a vida de outro santo cuja festa é celebrada neste dia pela Igreja: São Francisco de Assis.

Nascido em 1181 ou 1182, em Assis, Itália, e falecido em 1226, São Francisco é uma das figuras mais fascinantes que o cristianismo legou ao mundo. Creio que poucos santos se tornaram, ao longo dos séculos, tão reconhecidos e reverenciados, não só por praticantes católicos mas, inclusive, por adeptos de outros credos. Vários aspectos de sua singular personalidade poderiam ser aqui elencados para tentar uma possível explicação para os motivos que o levaram a se tornar uma figura tão cortejada por milhares de pessoas nos mais diversos países do mundo.

Para os propósitos deste breve texto, eu destacaria um em particular: a disponibilidade de Franscisco em se entregar totalmente ao seu Mestre, Jesus Cristo. São Francisco quase nada deixou escrito, ao contrário do que aconteceu com alguns dos grandes místicos que tiveram uma experiência de amor com Deus. No entanto, protagonizou uma história de tal proximidade e identificação com seu Mestre que poucos lograram atingir.

O início da conversão de Franscisco é assinalado por um fato que fazem todos os seus amigos e familiares próximos taxarem-no de louco, no famoso episódio em que ele resolve distribuir com os pobres os fardos de tecidos armazenados no comércio do pai, Pedro Bernardone. Incompreendido pelos circunstantes, deixa a casa paterna para buscar um único e exclusivo refúgio: Cristo. Louco aos olhos do mundo, Francisco define para si uma meta: se unir a Cristo em sua paixão. Esse projeto de vida ele leva às últimas consequências. O coroamento de tal projeto terá sua culminância simbólica em 1224. No que constitui um dos episódios mais singulares da história de amor de Cristo com seus discípulos, Franscisco recebe os estigmas do Mestre. Impossível encontrar nos anais da história fato mais representativo da união entre Mestre e discípulo.

Em um dos relatos dos feitos de São Francisco, na chamada Compilação de Assis, a certa altura são atribuídas ao poverello de Assis as seguintes palavras: “E disse-me o Senhor que queria que eu fosse um novo louco no mundo; e Deus não quis conduzir-nos por outra via, a não ser por esta ciência…” (Fontes franciscanas e clarianas, p. 855). O santo levou a sério a admoestação do seu Senhor, e em nenhum momento hesitou em se fazer louco aos olhos do mundo. Assim procedendo, porém, foi prodigamente recompensado, pois lhe foi dado o acesso a uma ciência de tal sublimidade e alcance que poucos letrados lograram alcançar. De tal ciência, não me restam dúvidas, só se fazem merecedores os que, sem meias-medidas, respondem com um incondicional Sim ao Mestre, e se lançam de corpo e alma no paradoxal abismo da fé.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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