Todos sabem que a imagem de Nossa Senhora Aparecida foi encontrada por três pescadores no Rio Paraíba, em 1717. Além de seus nomes, entretanto, nada se conhece sobre aqueles homens. O documento que registra o fato foi assinado em 1757 pelo vigário João de Morais e Aguiar, sob o título Notícias da Aparição da Imagem da Senhora. Ele conta que tudo começou quando o governador da capitania passou pela vila de Guaratinguetá e sentiu vontade de comer peixe:

“Entre muitos, foram a pescar Domingos Martins Garcia, João Alves e Felipe Pedroso, em suas canoas. E principiando a lançar suas redes no porto de José Correa Leite, continuaram até o porto de Itaguaçu… sem tirar peixe algum”.

Que homens eram aqueles? Teriam sido fidalgos ou diletantes donos de terra que pescavam para se divertir? Ou seriam gente simples que tentava sobreviver em um dos lugares mais pobres da colônia? De qualquer modo, foram eles os responsáveis pela origem daquilo que é, hoje em dia, o mais importante fenômeno de religiosidade popular no país – o culto à Padroeira do Brasil:

“E lançando neste porto João Alves a sua rede de rasto, tirou o corpo da Senhora sem cabeça. Lançando mais abaixo outra vez a rede, tirou a cabeça da mesma Senhora, não se sabendo nunca quem ali a lançasse”.

Luciano Ramos

[Ramos, Luciano. Aparecida: Senhora dos brasileiros: a história de uma devoção na origem de um povo. – São Paulo: Paulinas, 2004, p. 7.]

Os católicos brasileiros festejam hoje no país inteiro a festa de sua padroeira, Nossa Senhora Aparecida. Bem ao estilo da nossa religiosidade, eivada toda ela de mitos e crenças populares, a história daquela que foi escolhida para ser a padroeira do país não poderia ser diferente (ou, ao contrário, teria sido ela quem teria escolhido ser a nossa padroeira?).  A história da imagem de Nossa Senhora Aparecida, resgatada do fundo das águas de um rio por três pescadores, é uma saga magnífica, cheia de mistérios e surpresas.

Objetivando narrar essa saga, o sociólogo e jornalista Luciano Ramos escreveu um belo livro que é um misto de realidade e ficção, amparado nos escassos documentos que subsistem como registros do fato.  

Algumas indagações ainda não totalmente elucidadas sobre a misteriosa imagem são postas pelo autor no capítulo intitulado Nossa Senhora apareceu para o Brasil no rio Paraíba:

Repletas de pescado, as canoas são recebidas triunfalmente no ancoradouro de Itaguaçu sob os vivas entusiasmados de toda a população local. Enquanto Felipe narra os pormenores do ocorrido, João Alves carrega a estátua em contrição, como se já tivesse consciência de seu valor. Encontrá-la foi, sem dúvida, um prodígio. Como teria ido a imagem parar no fundo do rio, logo naquele lugar tão pouco habitado? Pesando mais de dois quilos, por que não ficou presa no lodo, em vez de cair na rede? E a cabeça? Tão pequenina assim, como ficou nas malhas da tarrafa e tão perto do corpo? Era feita de barro, mas estava tão escura. Se não foi pintada, por quanto tempo teria permanecido no lodo do rio para que ficasse daquela cor? (p. 139).

Um dos capítulos que desperta especial interesse é aquele em que o autor relata alguns milagres atribuídos pelos beneficiados a promessas e orações dirigidas à imagem, na ocasião já entronizada em uma igreja, com o título de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, popularizando-se depois com o nome mais abreviado de Nossa Senhora Aparecida, como hoje é mais conhecida. Relata o autor:

Em 1874, dona Gertrudes Vaz, de Jaboticabal (interior de São Paulo), trouxe sua filha cega de nascença para Aparecida. Sem recursos para a viagem, as duas recorriam a esmolas para sua locomoção e sustento. Ao fim do trajeto que durou semanas, foi a menina que avisou a mãe, passando a enxergar de um momento para o outro: “Acho que chegamos, mãe. Aquela não é a Igreja da Aparecida?” (p. 173).

O autor de Aparecida, Senhora dos brasileiros, Luciano Ramos, é sociólogo e jornalista. Desde 1970, quando escrevia e apresentava os programas de História na TV Cultura de São Paulo, dedica-se à difusão do conhecimento histórico. Na década de 1980, publicou duas coleções de livros didáticos de História Geral e do Brasil. Além de coordenar a criação do Telecurso Segunda Grau, para a Fundação Roberto Marinho, escreveu também roteiros para a Rede Globo. Foi crítico de cinema no Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, TV Cultura e Rede Bandeirantes. A partir de 1995 coordenou as atividades de Comunicação Social do Ministério da Cultura. É também autor do livro José de Anchieta: Poeta e Apóstolo, publicado pela Paulinas Editora.

Aparecida, Senhora dos brasileiros, é um livro que se lê com prazer e redobrado interesse a cada novo capítulo, especialmente recomendado aos que querem conhecer em maiores detalhes a fascinante história da imagem de Nossa Senhora Aparecida, hoje ocupando um lugar de destaque na grandiosa basílica a ela dedicada, situada na cidade de Aparecida, no estado de São Paulo.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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